quarta-feira, 27 de novembro de 2024

POR LU CANDIDO ::
“A régua que mede o seu valor precisa estar dentro de si. E isso já é o suficiente.” Quando comecei a ler Bem-vindos à Livraria Hyunam-Dong, da autora sul-coreana Hwang Bo-reum, não esperava me deparar com uma frase tão marcante. Essa máxima resume não apenas o livro, mas também um aprendizado profundo.

Quando abri o livro pela primeira vez, confesso que não criei muita expectativa. Me mudei recentemente e, além de meus livros estarem todos encaixotados, estou num momento financeiro péssimo. Mas queria – ou precisava – muito ler um livro de papel, e o critério para a compra foi o preço. Não tive medo de que fosse um livro ruim, pois gosto da literatura asiática, especialmente do Japão e da Coreia do Sul, mas achei que podia ser raso ou meio bobo. Era um best-seller, afinal, e eu tenho meus preconceitos. O mainstream me repele. No entanto, terminei a leitura há dois dias e ainda me pego pensando nele. Resolvi, então, escrever sobre este livro tão simples quanto complexo, tão leve quanto profundo.

A protagonista, Yeongju, em seus trinta e poucos anos, deixa para trás tudo o que conhecia para abraçar a missão de abrir uma livraria. Inicialmente, não sabemos exatamente o que é “tudo o que conhecia”. (Mais tarde, descobrimos que Yeongju era uma workaholic que chegou ao limite com o burnout.) Ela escolhe o fictício bairro de Hyunam-dong, em Seul, para criar um espaço acolhedor e tranquilo no meio da megalópole frenética. Curiosamente, Yeongju não gosta de best-sellers, o que já a torna uma personagem interessante.

A livraria não tarda a atrair pessoas, e cada uma traz consigo histórias e desafios. Hijoo, por exemplo, é uma mãe tentando lidar com um filho adolescente, Mincheol. Minjun, o barista, chega quando Yeongju precisa de um funcionário, e Jimi, fornecedora dos grãos de café e melhor amiga de Yeongju, enfrenta um casamento infeliz. Os eventos criados por Yeongju, como book talks e clubes de leitura, consolidam a livraria como um espaço de troca e introspecção. Novos rostos surgem, cada um com suas complexidades.

O que une todos eles é algo maior: a pressão de viver em uma sociedade que supervaloriza o julgamento externo. Cada personagem questiona suas escolhas e a vida que leva. Minjun, por exemplo, é meu preferido. Ele não conseguiu o emprego estável que desejava após a faculdade, acabou como barista e sente que decepcionou os pais. Esse conflito interno é devastador, porque Minjun acredita ter fracassado. Me identifiquei em partes. Também tenho essa sensação de fracasso, de ter seguido caminhos traçados sobre escolhas erradas, de não saber como recomeçar. Não devo ser a única.

Certas questões humanas são universais, e esse é um dos méritos do livro. Apesar das diferenças culturais, é impossível não perceber as semelhanças: vivemos em uma sociedade global que normatiza nossas prioridades e rouba nosso tempo para questionar a vida. Muitas vezes, vivemos para trabalhar e não temos energia para mais nada. Não é à toa que os movimentos antitrabalho têm ganhado força, especialmente entre os jovens. Eles me fazem acreditar que há esperança.
A autora Hwang Bo-reum (Foto: Seong Ji-min/divulgação)
A autora Hwang Bo-reum
(Foto: Seong Ji-min/divulgação)


Em entrevista à revista GC, Hwang Bo-reum disse que “a Coreia precisa desse tipo de momento”. Eu diria que o mundo inteiro precisa. Parar, pensar e ressignificar é uma necessidade universal, quase um direito fundamental.

Por fim, para quem trabalha com livros como eu, Bem-vindos à Livraria Hyunam-Dong é praticamente um manual sobre como administrar uma livraria. E, além disso, abre espaço para um debate fascinante sobre escrita, que continua ecoando na minha cabeça. Porque, afinal, a literatura é isso: uma conversa sem fim com as páginas e os personagens.


Bem-vindos à Livraria Hyunam-Dong
Autora: Hwang Bo-reum
Tradução: Jae-hyun Woo
Nº de páginas: 271
Editora Intrínseca, 2023

 

2 comentários:

  1. Que lindo, filha!
    Parabéns!
    Já coloquei na minha lista para quando eu estiver aí!

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    1. Obrigada, mãezinha, minha maior incentivadora! Te amo! <3

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