domingo, 16 de setembro de 2018


POR LU CANDIDO :: 
Este vai ser um texto egoísta e autocentrado. Por quê? Porque eu mereço. Em maio, completei cinco anos sem crise.


Até podia parar por aqui: isso já é o suficiente para eu merecer os parabéns.

Em setembro de 2012, depois de três anos completamente absorvida pela crise mais pesada que já tive, resolvi que faria uma última tentativa. Juntei o restinho de força que me sobrara e fui buscar terapia. Nunca parei de tomar a medicação, mas faltava a parte mais importante do tratamento. O problema é que, por mil motivos, não encontrava ninguém. Além disso, não tinha forças nem para buscar ajuda.

Mas o jogo virou. No começo de setembro de 2012, me arrastei até a clínica e tive minha primeira sessão com a minha atual terapeuta. Dá para deduzir que os parabéns são para ela também. No começo, era difícil. Eu só queria um anestésico qualquer que tirasse rápido aquela dor que começava a ultrapassar o humanamente suportável. Estava cansada demais e sabia que não podia carregar aquilo por muito tempo mais. E fui vendo até onde era possível.

No dia 13 de abril de 2013, aconteceu uma coisa – que de importante, hoje, só guarda o fato de ter me empurrado para fora do poço – que me fez dizer chega. Foi o meu gatilho do bem. Eu vinha dando passos para a frente desde setembro, mas ainda não havia tido o momento de virar a chave, de olhar em volta e assumir a responsabilidade por tudo aquilo dali para a frente. Tudo aquilo era a minha vida.

Isso quer dizer que desde então tudo foi lindo e fácil? De jeito nenhum. E esse é exatamente o motivo pelo qual quero me parabenizar hoje.

Menos de um ano depois, tive de passar por uma das experiências mais doloridas que já tive fora das crises: o luto da separação. No entanto, também tive umas das minhas melhores férias antes disso, viajei de carro até o Uruguai, me diverti muito, retornei à vida social saudável, vivi um dos momentos mais importantes da história do país, em junho de 2013, entre tantas outras coisas.

Houve momentos em que a depressão batia à porta. As recaídas nos dão alertas, e o mais incrível foi saber que eu sei identificar antes que a crise entre. As crises não têm motivos, elas têm apenas gatilhos. Quando sentia que estavam rondando, dava um tempo a mim mesma, não batia de frente com a doença. Em dois ou três momentos mais críticos, precisei de licença médica. Dormia um dia inteiro, chorava, me jogava no sofá e marcava hora para levantar. E todas as vezes eu levantei. Foi bem difícil, mas valorizo cada vez que consegui sentar na cama, escovar os dentes, comer.

Mas a vida não é só depressão. Tem a mania. Tenho dificuldades para falar sobre esses momentos, não sei se por constrangimento, ou por amnésia alcoólica, ou pelas duas coisas misturadas. A depressão é aquela coisa: você sofre muito, normalmente sozinho. Na mania, a gente faz coisas que depois tem vontade de morrer, mas não é de depressão, é de vergonha mesmo.

Teve muitos porres, coisas que eu disse e fiz bêbada que eu queria que tivesse um shift + del da vida. Dias sem comer, dias comendo até as paredes, compromissos assumidos não cumpridos, tagarelice, acordar de madrugada para correr, projetos mirabolantes e tantas coisas que nem lembro. Devo ter a maior coleção autoral de músicas de um verso só, livros de uma página, desenhos incompletos.

Às vezes, acordava meio Carmen Miranda: “e o mundo não se acabou!” Eu sabia que depois disso o carrinho ia descer a ladeira. Então, nunca disse “nunca mais faço isso”. Simplesmente assumi as m&#$@$, pedi muitas desculpas, aprendi a dizer não para o que eu não podia cumprir e quase quebrei o cartão de crédito. Também aprendi algumas técnicas de investigação tentando saber o que tinha acontecido na noite anterior.

Detalhe: a maior parte destes cinco anos eu passei com a medicação errada.

***

Tudo isso foi episódico. Não cheguei nem perto do inferno que eu tinha experimentado.

Em outubro, mudei de psiquiatra e voltei à medicação adequada. Recentemente, parei de beber. Não totalmente, nem quero, mas cortei as fugas e agora bebo muito pouco, só por diversão. Bom, as fugas eram quase tudo. Não tenho dinheiro. Engordei. Tenho ficado muito tempo sozinha. Minha coluna está fodida. O remédio me dá tremores e borra a visão.

Isso tudo parece tão fácil quando lembro do que deixei para trás. Não acho que estou curada. Não tem cura. Não há nenhuma garantia de que eu não vá ter uma crise no futuro, mas faço o que posso para mantê-la lá fora. Estou estudando coisas que há tempos queria e não conseguia. Estou aprendendo outra língua. Pratico atividade física e tomo muita água. Tenho me ocupando de outra crise agora: a dos 40. Estou gostando, está sendo produtivo.

Estou leve e feliz.

É. Acho que estou indo bem. Não sou exemplo de nada para ninguém nem pretendo ser. Sou apenas um espécime, uma amostra, num universo imenso de pessoas como eu, de que é possível não só controlar a doença, mas viver.

Hoje me questiono sobre o que define o equilíbrio. Pessoas sem transtornos são sempre equilibradas? Pessoas com transtornos, como eu, não podem desequilibrar nunca sem que isso seja a doença? O que é equilíbrio? É estável? Instável? Indiferente? Como disse o Trovador Solitário, “consegui meu equilíbrio cortejando a insanidade”.*

Há pessoas maravilhosas ao meu redor que são importantíssimas nessa trajetória e têm um lugar especial na minha vida. Não esqueci e nunca vou esquecer. Eu só achei importante dar uma olhada para mim e para o que eu fiz, porque eu não quero nunca esquecer que eu tenho o controle da minha vida, aconteça o que acontecer, esteja eu com quem estiver.
 
*Legião Urbana, Sereníssima.




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