segunda-feira, 1 de outubro de 2018

POR LU CANDIDO :: 
Outro dia, fui a um evento sobre transtornos de humor no Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da USP. São ciclos de palestras que ocorrem ao longo do ano. Este dia, especificamente, era direcionado a familiares e cuidadores, mas como não tenho nenhuma vergonha na cara, fui mesmo assim.



Quando abriu o microfone para a plateia, pedi para falar:

“Boa tarde! Muito obrigada pela oportunidade. Na verdade, eu sou a paciente. Minha irmã não pode vir e me mandou no lugar dela. Eu a ensino direitinho depois. (risos) Eu gostei muito da exposição e o que vou dizer não a invalida. Porém há uma coisa que sempre me incomoda quando tratamos da depressão, em especial da depressão bipolar: o papel da tristeza. Ela sempre está no topo da lista dos sintomas. Cerca de um terço do tempo dos palestrantes é gasto com ela, e ela se transforma no determinante da depressão. Não acho que seja assim. A tristeza é um sintoma muito importante sim, mas não é determinante. Ela nem sempre está presente. Depressão é falta de vitalidade, não tristeza. Eu, por exemplo, neste exato momento, estou vivendo um episódio de depressão. É difícil levantar da cama, sair de casa, me concentrar até para as coisas mais simples. Canso até para levantar o braço. Estou me sentindo pesada, como se carregasse pedras. Tive uma amnésia global causada pela crise. Só estou aqui porque já conheço a doença e ainda consigo me forçar a fazer as coisas de vez em quando, mas minha vontade é que o mundo parasse e voltasse a girar só quando eu estivesse bem. E eu não estou triste. Também não estou alegre, mas, mesmo com tudo isso, ainda consigo rir e contar uma piada de vez em quando.”

Quando terminei de falar, uma mãe pediu o microfone. Ela era cuidadora de uma filha de 17 anos suicida que, naquele momento, encontrava-se internada. Chorando, ela me agradeceu. Disse que estava tão aliviada com o meu depoimento, porque ela também tinha transtorno bipolar e, em suas crises de depressão, tinha de fingir que estava bem. Ela fazia isso não só pela filha, mas porque não acreditavam que ela estava deprimida, pois ela não ficava triste. Era a primeira vez que ela encontrava alguém como ela.

As dificuldades de diagnóstico e a falta de precisão com relação às causas dos transtornos psicoemocionais ainda são fontes de muita confusão. Creio que se mudarmos a lógica do senso comum, podemos ajudar a quebrar estigmas e preconceitos.

O problema da tristeza na depressão não é menor. A tristeza é um sintoma muito importante. Contudo, realmente não sei dizer se ela é a primeira que se manifesta ou se ela é, na verdade, a primeira que é percebida. É pesado, é fonte das maiores dores, é verdade, mas não é o único sintoma e não necessariamente está presente.

O que acontece é que se coloca um sinal de igual entre depressão e tristeza. Assim, se uma pessoa com depressão não está triste, ela é vista como alguém que está fingindo, fazendo drama etc.

Por outro lado, há uma medicalização da tristeza. Na vida, é normal, necessário e saudável ficarmos tristes. Quem tem depressão também deve ficar triste fora da depressão. O que tenho visto por aí é uma medicalização dos sentimentos. Terminou um relacionamento? Depressão. Luto? Depressão.

Não é bem assim. Estamos nos tornado a geração clonazepam. Simplesmente deixamos de viver uma parte da nossa existência. Isso sim é motivo de tristeza.

3 comentários:

  1. Procurei a terapia porque grudou em mim uma tristeza... mas sei que é mais que isso

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    1. Alguns processos precisam ser vividos até a tristeza se esgotar, e isso dói. e não precisa ser patológico para buscarmos essa ajudinha. A terapia pode ser maravilhosa ;) :*

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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