quarta-feira, 21 de novembro de 2018

POR WALTER M. :: 
Há alguns anos, pensei numa história que se tornaria um esboço para um conto. Uma mulher chegaria numa lanchonete para almoçar aproveitando os parcos minutos de intervalo conquistados em meio a sua vida atribulada de profissional bem sucedida e, subitamente, se depararia com uma garota na mesa ao lado. A adolescente, porém, seria perfeitamente igual ao que a mulher era aos 18 anos. Mais que isso, os cadernos e livros que trazia eram exatamente os seus antigos materiais naquela idade. Não teve dúvidas, inexplicavelmente encontrara ali a sua versão jovem.


Tal possibilidade ficou ruminando na minha cabeça durante algum tempo. O que aconteceria se, de forma absolutamente aleatória e inexplicável, você se deparasse com você mesmo há 20, 30 anos atrás? Minha história focava na reação da versão adulta, mas o que a sua versão jovem faria? Que reação teria ao te conhecer, ao saber os rumos que te levaram aonde está agora?

No meu caso, não foi difícil especular muito. O meu eu-adolescente certamente teria se decepcionado com o resultado. “Você não virou um goleiro de renome, não se destacou em nada, não fez sucesso em porra nenhuma e ainda nem se livrou dessa barriga aí que eu já tinha prometido fazer.” Com certeza eu, no auge da minha sinceridade verborrágica da época, sentenciaria: “Você é uma piada.” Mas eu não o culparia.

Não que eu não remoa por vezes frustrações e arrependimentos ao longo da vida. Sempre desconfie de quem diz a plenos pulmões: “Eu não me arrependo de nada!” Se eu fizesse uma lista de arrependimentos seria interminável. Das escolhas e atitudes mais simples às mais “importantes”. Arrependo-me de ter gastado muito dinheiro na semana passada e agora estar duro. Arrependo-me de, quando criança, ao ser questionado sobre o que queria ser quando crescer, responder: tudo menos metalúrgico. Meu pai era metalúrgico e, por mais complicada que tenha sido, e continua sendo, nossa relação, tenho orgulho dele e de sua profissão. Arrependo-me de, ainda criança, em meio a um dos tantos entreveros com meu irmão mais velho, ter lançado mão de algo que sabia que o afetaria de verdade. Chamei-o de “gordo” com tanta raiva que lágrimas escorriam dos meus olhos. Hoje, também tenho orgulho do que ele se tornou, embora nossa relação nunca tenha sido próxima, e esse dia, em específico, creio que tenha sido determinante para isso, mesmo que de forma inconsciente.

Em geral, meus piores arrependimentos se referem às vezes que prejudiquei outras pessoas, muitas vezes – e as piores – sem intenção. E em geral, as que mais amo. Sempre me pego numa armadilha terrível de pensar o que teria sido diferente se pudesse voltar atrás e mudar tantas coisas que fiz. “Ah, seria implacável”, costumava pensar.

Os relacionamentos são um caso a parte. Só de pensar no tempo perdido daqueles sofrimentos infanto-juvenis já me coço todo. Disso daí até você entender que o mundo não vai acabar porque sua namorada não te quer mais leva um tempo que talvez só a experiência concreta consiga te enfiar na cabeça. E pensar que o maior problema está em você mesmo, ou melhor, na forma como você lida com cada coisa, é um baita processo. Até você entender que o mundo, ou pelo menos a forma com que você o encara, pode ser bem mais leve e descomplicado, é praticamente uma vida.

Mas me arrependo também do que fiz por mim. Poderia ter estudado mais, por exemplo. Lido mais, me esforçado mais. Seria hoje provavelmente alguém mais útil.

Compreendi, com o tempo, no entanto, que o passado não existe. É uma abstração ou uma ilusão da mente. E não dá para consertar algo que não mais existe. Aquele meu eu jovem que estaria na minha frente seria um holograma vazio. As consequências, porém, existem e são reais. E isso, sim, dá para consertar. Mas isso se faz no presente, que é o real e o que está diante de você. Não numa ilusão de passado. O presente é o que existe de fato.

As primeiras vezes que pensei nesse encontro fantasioso com meu eu-do-passado, tive de início uma reação violenta. Pensei em dar-lhe (ou dar-me) um tapa na cabeça e dizer “tome tento, moleque, você não sabe nada da vida”. Aos poucos, porém, fui tendo acordo com a mulher de minha história, que ignorou aquele encontro surreal, controlou a tentação de dizer-lhe o que ocorreria e que atitude deveria tomar diante de cada situação. Mas simplesmente seguiu sua vida. E deixou que aquela garota aflita e angustiada seguisse a dela. Ela era mais sábia que eu.

Allan Watts dizia: você sente culpa a todo o momento, e está tudo bem, é normal. E sente culpa por sentir culpa. E está tudo bem também. Arrependimentos, culpas, frustrações, fazem parte do que somos hoje. Não podemos simplesmente arrancá-los, como não podemos arrancar um braço ou uma perna. É o que somos hoje, e vamos ter que encarar isso até o fim.

Ah sim, uma coisa que lhe (ou me diria) nessa conversa utópica seria para maneirar nos carboidratos e tratar de fazer mais abdominais.

Mas está tudo bem.


Walter M. mora em São Paulo, é jornal(eiro)ista, não é tão jovem e ainda não chegou a ser velho. Atualmente se ocupa nas horas vagas na busca do manual de instruções da vida.




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