sexta-feira, 23 de novembro de 2018

POR LU CANDIDO :: 
Eram três, uma grande e duas menores. Dentro delas, calças, camisas, blusas, saias e vestidos contorcidos brigavam por espaço. Não coube tudo, mas ela podia voltar depois para pegar o resto.


LEIA: As malas (parte 2)

Estava decidida. Na verdade, estava bêbada e sua mente estava confusa. Simplesmente abriu o armário e começou a jogar tudo para fora.


Parecia um pesadelo. Sentiu-se no filme de David Linch, Cidade dos Sonhos. Só queria ir embora, mas era madrugada e estava isolada num lugar que não era o seu. Nunca fora, e agora tinha a chance de consertar.

Lembrou que durante a briga ele estava perto e falava coisas estranhas e confusas, tanto quanto a cabeça dela naquele momento. As palavras entravam e saíam de sua mente como se não fossem reais. Lembra que se sentiu muito triste, confusa, humilhada e, de certa forma, leve ainda que pesada. No dia seguinte, veria o que fazer. Ele: “não vai, amanhã a gente vê”, pelo menos ela acha que foi isso que ele disse. Fosse o que fosse, não queria ficar ali.

Tentou dormir, esperar o dia amanhecer. Quando acordou, ainda lutava para entender aquela loucura, convencer-se de que tinha acontecido mesmo. De repente, um susto. Ele estava ao seu lado na cama, no quarto da bagunça. “Vamos conversar... tentar de novo... mais uma vez.”

Ficou. Não era orgulhosa ou não queria ser. Pelo menos não naquele momento. Conversaram, não lembra o que exatamente, e ela ficou. A iminência da perda foi um choque. Precisava se preparar para o fim.

Naquele momento, porém, alguma coisa despertou dentro dela. Foi como se tivesse passado horas diante de um espelho, e a imagem era feia, muito feia, por dentro e por fora. A outra, a que ele amava mais do que a ela, era o seu próprio reflexo no espelho. Bonita, inteligente, alegre, simpática. Era aquilo que um dia ela fora.

Como chegara àquele ponto? Um dia, num passado nem tão distante, mas não perto o suficiente, ela tinha existido. E agora, quem era aquela mulher no espelho? Não importava o que ele tinha feito. Não importava o que aconteceria dali por diante entre eles. Ela estava viva, agora sabia.

Dentro dela, um bicho se movia. Ele querendo ficar, ela querendo expulsá-lo. O bicho a corroeu durante anos e fez grandes estragos. Comeu boa parte de suas entranhas, embora preferisse a mente.

Agora, com um único golpe, ela matou o bicho. Ou será que ele se dilacerou e foi expulso aos pedaços? De qualquer forma, foi ela quem acabou com ele. Podia ser alegre de novo, podia rir, podia ser bonita. Podia voltar a ser inteligente, ler, escrever. Não dependia de ninguém para isso.

Um mês depois, viu que tinham ido embora os últimos vestígios do bicho.

Ele? Ainda estavam lá, os dois. As coisas melhoraram entre eles. Não sabia quanto tempo aquilo duraria. Ela não precisava tomar uma decisão imediatamente.

As malas? Continuavam lá, do mesmo jeito. Quando chegasse a hora de desfazê-las – e essa hora chegaria –, ela iria saber. Ali ou em qualquer outro lugar.

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