terça-feira, 29 de outubro de 2019


POR WALTER M. ::
Você acorda, passa o café, come algo, vê o celular e toma um banho. A bem da verdade, na maioria das vezes essa ordem pode ser inversa. Você acorda, vê o celular, passa o café... Ou até mesmo diria que você vê o celular antes mesmo de acordar, como é o meu caso.

Cumprido primeiro ritual matutino, você sai às pressas para dar conta das tarefas típicas de adultos. Boletos, responsabilidades e outras coisas tão entediantes quanto necessárias recheiam o dia. Cansado, tenta se alienar um pouco à noite antes do ciclo recomeçar. Sim, estamos falando sobre a rotina.

Gosto de rotinas. Preciso delas. Todo mundo deve precisar. O problema penso eu, é quando isso passa para o controle automático. Os dias passam, os meses passam, os anos passam. Projetos, pequenos sonhos nunca saídos da cabeça são triturados pela rotina. E o que parece restar é um enorme Vazio. Não o “vazio sublime” do Zen (título de um livro do Osho, mas isso fica para uma próxima conversa), mas uma completa falta de perspectiva e uma frustração avassaladora quando você percebe que vontades tão banais como aprender violão ou escrever mais por simples extravasamento (mesmo sabendo que ninguém vai ler) completam anos a fio.

E, por mais que me envergonhe disso, quando vejo alguns fios encanecidos na cabeça penso nos momentos derradeiros da minha vida, talvez velho, ou talvez nem tanto, e me aterrorizo com a simples ideia de olhar para trás e pensar “eu falhei” e me arrepender. Porque, em geral, as pessoas não temem a morte em si. Sofrem pela vida que tiveram. Isso é cientificamente comprovado em pesquisas com pacientes terminais.

Voltando ao vazio.

É como se estivesse preso neste limbo do cotidiano. E é um ambiente claustrofóbico. A questão que surge é: como superar isso? Ato contínuo surge outra: há algo a superar? Seria esse “vazio” parte integrante, estrutural, de mim? Algo a ser aceito, de forma passiva, resignada? Confesso não ter a resposta. Confesso ainda não saber se ela existe. E confesso que me cansei de me confessar.

Não se trata, por certo, de uma simples falta de tempo. Vemos todos os dias pessoas se desdobrando em mil nas poucas vinte e quatro horas que podemos usufruir no dia. Lembro-me das aulas de semiótica em que o professor exaltava as mil qualidades de Peirce, um filósofo, pedagogo, matemático, linguista, que simplesmente criou uma ciência da cachola em pleno século XIX. Certamente possuía ainda alguma outra habilidade não muito divulgada, como, talvez, equilibrar um ovo cozido numa colher com a boca. Mas, enfim, teve uma vida produtiva. A semiótica talvez não seja tão útil assim, mas com certeza conferiu um sentido à sua vida.

E penso que aqui esteja, talvez, o ponto central desse emaranhado confuso de divagações: esse Vazio crescente do cotidiano destrói paulatinamente qualquer noção de sentido aos dias, aos meses, aos anos, à vida, enfim.

Ainda que seu trabalho seja importante ou que você pelo menos pense que seja. Ainda que haja um propósito maior à sua vida que as meras ambições individuais, e você se veja completamente tomado por ele, e ainda que você considere isso nobre... A bolha do Vazio continua ali, suspensa bem no meio da sala tomando o seu ar e o seu espaço.

Por ora, pelas minhas possibilidades, vou tentar equilibrar um ovo cozido numa colher. Talvez encontre aí algum sentido. Ou, no pior das hipóteses, terei ao menos uma boa ingestão de proteínas e minerais.


Walter M. mora em São Paulo, é jornal(eiro)ista, não é tão jovem e ainda não chegou a ser velho. Atualmente se ocupa nas horas vagas na busca do manual de instruções da vida.



0 comentários:

Postar um comentário