sábado, 9 de fevereiro de 2019


POR LU CANDIDO :: 
Por ordem aleatória de sentimentos, ela começou a viajar num turbilhão de confusões e incertezas que estavam tomando parte significativa da sua vida nos últimos dias.


Ela não queria. Ela nunca tinha vivido isso. De repente, ela, que sempre viveu rodeada de amigos, viu-se completamente sozinha. Desceu do avião, caminhou até a esteira. Sua mala foi a última. Estava lá, pesada e sozinha fazendo a curva. Caminhou para a saída. Pela primeira vez, não tinha ninguém esperando-a.

Então, caminhou até o saguão, em direção à rua, opressora rua. Precisava economizar, mas foda-se: pegou um táxi, que saiu bem caro. Para piorar a situação, o carro quebrou no meio da rodovia, e ela teve de ficar ali parada, no meio do nada, esperando outro chegar.

“Vamos pegar trânsito?”, perguntou ao motorista, pois queria chegar rápido. “Nããããooo. Aqui é contrafluxo, em meia hora deixo a senhora lá. Sabe que uma vez eu peguei um passageiro que...” Bla... bla... bla... O homem falava sem parar, e ela, tão comunicativa, não conseguia ouvir nada nem dizer palavra.

Subiu os dois lances de escada arrastando a mala. Entrou no apartamento vazio. Fechou a porta e desabou. Chorou. Chorou muito e se permitiu chorar. Pela primeira vez em oito anos, não queria ter voltado para casa.

O fim de semana foi pior. Ninguém sequer para tomar uma cerveja no boteco da esquina. O que queria? Estava voltando de férias! Ninguém a esperaria com uma programação pronta.

Na sexta à noite, que é o dia que costumava sair, ver e conhecer gente, ficou ali com um filme fazendo barulho no fundo. O sábado? Não lembra, mas com certeza foi igualmente deprimente. No domingo, decidiu que era hora de reagir. Acordou relativamente cedo, foi à feira, cozinhou.

Não, seus amigos não a haviam abandonado, não deixaram de ser seus amigos. Os da vida inteira estavam longe. Os que encontrou ao longo de oito anos ali estão ocupados, têm filhos, problemas, casaram, moram longe. Isso é perfeitamente compreensível: se chama vida. Não é aí que está o problema.

A verdade é que não conseguiu construir sua própria rede.

Durante seis desses oito anos, conhecera gente maravilhosa. Pessoas que ela nunca queria perder. Mas a vida é mais complexa, e ela perdeu. Perdeu porque fez uma escolha. Sabia que teria perdas, mas para essa perda não havia se preparado.

Lembrou-se um pouco do Natal, da solidão daquele momento e da forma como reagiu bem. Ela ainda tinha planos, só precisava organizar aquela enorme bagunça em sua mente. Tinha muitas possibilidades, muita coisa ainda por fazer. Aprendeu a viver sozinha e não podia esquecer essa conquista nunca. Tudo aquilo ia passar, ela tinha certeza. Naquele dia, porém, decidiu que não lutaria contra seus sentimentos.

Na terapia, aprendera um conceito novo depois do Natal que passara completamente sozinha pela primeira vez na vida: resiliência. É um conceito roubado da física. É uma propriedade de certos materiais que conseguem acumular energia para sobreviver a traumas e rupturas. Após o trauma, o material volta à sua forma original.

Transportando para a psicologia, significa acumular forças para tomar decisões em momentos difíceis sem por isso entrar em crise, quebrar, surtar. Talvez ela fosse mesmo uma mola.

Agora, com licença. Precisava tomar banho, se maquiar, arrumar o cabelo... tinha um pub esperando por ela em algum lugar daquela imensa cidade.

Dali um dia, ou dois, ou dez, estaria tudo bem. O tempo não falha, e tudo passa.




0 comentários:

Postar um comentário