segunda-feira, 17 de setembro de 2018

POR LU CANDIDO :: 
A notícia é velha, mas isso não é relevante. Eu poderia falar sobre vários casos famosos ao longo dos séculos. O mais recente e que me abalou de verdade foi o de Chris Cornell, ex-Soundgarden e ex-Audioslave, no dia 17 de maio. Mas foi o de Robin Williams, em 2014, que me levou a este texto. Por quê? Provavelmente por ter acontecido depois de minhas conversas mais íntimas com a morte. E porque fui instigada a pensar sobre o caso.


(Antes de continuar, assista a este vídeo curtinho do canal Minutos Psíquicos: Suicídio)

Em 2014, logo que Robin Williams morreu, minha terapeuta me questionou sobre seu suicídio. Lembro exatamente da pergunta. Logo depois de um papo sobre como eu recebia esse tipo de notícia, ela me perguntou: “O que você diria a ele se fosse possível um encontro entre vocês dois?”. Eu não soube responder. (Se fosse hoje, talvez eu diria sou sua fã, me dá um autógrafo, tira uma foto comigo? “o amor é contagiante” e o abraçaria.)

Considerando o ser humano como um ser social, é importante pensar que ele ainda assim é um ser, um indivíduo que é parte formadora da sociedade. Além do mais, comprovadamente, o suicídio é um problema grave de saúde pública. É assustador pensarmos que a cada 40 segundos alguém está tirando a própria vida em algum lugar do planeta.

Voltando ao indivíduo, ele tem suas características, seus valores adquiridos, seus sentimentos e seu modo de vida próprios. Cada um desses elementos é construído historicamente. Mas, estando eles aí, como ignorá-los? Minha reflexão é sobre o que se passa com esse indivíduo que é levado a um ato extremo.

Para o senso comum, suicidar-se é um gesto de covardia. É um desistir, ser incapaz de lutar. Porém só quem esteve cara a cara com a morte sabe o significado dessa escolha. Acho que tenho alguma experiência para falar a respeito, porque conversei longamente com a morte por mais de uma vez. Então, vamos usar meu caso para entender como isso pode acontecer na prática.

Cheguei ao consultório da minha atual terapeuta em setembro de 2012. A minha grande questão era: por que eu não posso escolher viver ou não? Não é justo que eu tenha de continuar com uma existência sem sentido. Por que eu preciso acordar, levantar, comer? Nada disso fazia sentido, e causava muito sofrimento ser obrigada àquela rotina. Era uma repetição de gestos e atos mecânicos para garantir a sobrevivência de um corpo cuja mente já não queria estar ali. Eu realmente queria morrer, mas achava, irracionalmente, que não podia me matar, que era um ato proibido. E ficava batendo naquela tecla.

Aos poucos, ela foi me ajudando a entender que eu não queria morrer. Eu simplesmente não queria mais existir. Não queria ser vista, não queria estar no mundo. Não queria acordar, nem comer, nem tomar banho, nem trabalhar. Afinal de contas, para que tudo aquilo? Eu estava sentindo uma dor imensurável que eu sequer sabia de onde vinha. Então, tudo que eu queria era acabar com aquela dor o mais rápido possível.

Quando estamos doentes, podemos chegar ao ponto de não termos controle sobre nós mesmos. Não pensamos em escolher ou não. Só pensamos que a dor precisa acabar, seja como for. Matar-se, muitas vezes, torna-se a única opção. Se existisse a possibilidade, eu – e qualquer um que esteja numa situação dessas – deixaria de existir por um tempo e voltaria depois. Mas não é possível.

Na verdade, eu tinha o direito de escolher. Eu podia ter me matado, e eu não estaria em lugar nenhum depois para me arrepender ou sentir culpa. Foi o tratamento – a terapia, os medicamentos e uma dose de autoanálise – que foram mudando, aos poucos, as minhas ideias, a visão de mim mesma e como eu me relacionava com o mundo.

Curiosamente, e talvez por sorte também, foi um traço da minha personalidade que me fez pensar, de forma irracional e inconsciente, que era proibido me matar. Eu pensava no impacto que isso causaria em outras pessoas. Pensava coisas do tipo “como ficaria a minha família?” e “de onde vão tirar dinheiro para o meu funeral?”. E o terror que sentiriam ao receber a notícia de uma morte tão trágica?

Espera aí... a conta não fecha. Se nada mais existiria, porque eu estava me importando com outras pessoas, ainda que as amasse? Era isso, eu não queria morrer. Eu estava gritando por socorro, estava pedindo para que alguém arrancasse aquela dor de mim, uma dor que me impedia de seguir. E quando não seguimos, de fato não faz sentido viver.

Será que estou naqueles 98% que têm transtorno e não se matam? Acho que sim. Então, acho que também podemos dizer que estamos diante de um caso de ideação suicida em que o ato não aconteceu. Evidentemente, não vou contar as merdas que fiz. Isso aqui não é um tutorial.

Como Robin Williams, eu acho que costumo ser uma pessoa alegre, solidária, que gosta de ver os amigos, de conhecer pessoas novas, de sair e me divertir. Ele estava sob diagnóstico de depressão profunda. Eu também naquele momento. Ninguém imaginaria que aqueles pensamentos de morte não saíssem da cabeça dele por um segundo sequer. Acho que não imaginavam que estavam na minha também.

Já quase no final da sessão, quando falávamos sobre outro tema aparentemente sem relação, uma associação me veio à mente e consegui dar nome às coisas. O que eu sentia diante desses casos? Identificação e compaixão. E se eu pudesse conversar com Robin Williams? Diria apenas “isso passa”. Essa dor que você está sentindo, eu já senti. E passou. Por fim, minha pulsão de vida venceu.

Para os que querem ajudar, acredito que conversar a respeito, de forma responsável, é a melhor forma. Fazer essa diferenciação entre querer morrer e querer deixar de existir. Levar a sério qualquer manifestação de pensamento suicida. Contudo, principalmente, orientar a pessoa a procurar ajuda profissional. E nunca, jamais se sinta culpado ou culpada se a pessoa levar a cabo seu plano. Se ela quiser e estiver determinada, ela vai fazer isso.



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