POR LU CANDIDO ::
Cometi um erro no trabalho. Não qualquer erro, um erro grave mesmo. Foi um erro de revisão na capa de um jornal, que não só mudou o sentido da manchete: ganhou um significado diametralmente oposto. Era de um artigo muito importante. Óbvio, senão não estaria na capa.
Fiquei sabendo caminhando na rua. Uma mensagem da minha chefe no grupo do trabalho no WhatsApp. Juro: paralisei. O semáforo abriu e fechou e eu fiquei ali prostrada. Sabe quando o sangue percorre todo o corpo e vai parar na cabeça? Minhas mãos tremiam, meus olhos se encheram. Eu absorvi na hora a gravidade daquele erro. Fui tomada por uma culpa enorme.
A primeira coisa que fiz foi mandar uma mensagem pedindo desculpas e assumindo o erro, o que foi muito correto. Na sequência, fiquei pateticamente tentando explicar o erro. “Eu estava sem dormir”, “eu estou com problemas”, “eu isso, eu aquilo”. E tudo que eu disse é verdade, o que não me torna menos patética. A minha vontade era ficar pedindo desculpas até morrer. Atravessei a rua chorando.
Isso tudo se passou em alguns minutos. O tempo de eu acordar e ter que agir como adulta. Que crise histérica foi aquela? Parei com aquele escândalo interno e só pensei que ia ter consequência e que eu teria que achar um jeito de lidar, porque resolver não dava. Reconhecer o erro já era um bom começo.
Fui pensando nisso até o consultório da minha psicóloga. Lá, falamos sobre as outras coisas que eu mencionei acima. A história do erro surgiu, evidentemente, embora não tenha sido o centro da sessão.
Mas por que diabos aquilo tomou aquela proporção para mim? Não vou, aqui, entrar no mérito sobre o que as outras pessoas estão achando, se vão brigar, me punir. Que seja. A primeira questão é: por que eu não posso errar? Por que sempre fico desproporcionalmente mal quando a coisa não fica perfeita? Os jornalões erram o tempo todo! Por que eu não posso?
Curiosamente, tive uma conversa com uma amiga um dia antes, quando ela ia para a sua terapia. Ela lembrou de uma cena fantástica do filme O Lado Bom da Vida, quando as personagens Pat (Bradley Cooper) e Tiffany (Jennifer Lawrence) e a família inteira comemoram loucamente uma nota 5 que os dois ganharam num concurso de dança. Para quem assistia e para os jurados, aquilo era surreal. Como alguém podia comemorar um 5?
Aí ela disse uma coisa muito significativa que, conscientemente ou não, tem tudo a ver com o que eu penso: “Eu devia me contentar em ser um 5. Ou não, eu sou um 7. Um 6,5, porque andei decaindo” (confesso, achei engraçado). A diferença entre nós? Ela falou num tom de frustração por não ser o 10 que sempre quis ser em tudo. Eu, ao contrário, comemoro o 5. E nem sempre é 5. Às vezes é 1, outras, 9.
A resposta que eu dei é inacreditável no contexto que narrei acima. Lembrei imediatamente das CNTPs, as condições normais de temperatura e pressão. Grosso modo e controvérsias à parte, um gás ideal tem 0ºC de temperatura e pressão de 1atm. Esse gás não existe. O 10 é o gás ideal. É uma referência muito importante, porque precisamos de referenciais. Mas não somos tabelas, nem termômetros, nem listas, nem sei lá o que (eu tinha uma metáfora melhor, mas esqueci).
A sociedade nos pressiona o tempo todo. Quando não somos um 10, vem a cobrança e a culpa. A culpa é uma criação do cristianismo, certo? Não existia antes dele. Nada mais é do que uma forma de controle social. Quero poder falar só sobre isso em algum momento. O conceito de perfeição é completamente arbitrário.
Eu sei de tudo isso. Eu digo isso para as pessoas o tempo todo. Hoje eu tive a chance de perguntar pra mim mesma: por que isso não se aplica a mim? Não sei, é irracional. Ainda preciso pensar a meu respeito, mas, por favor, não faça do 10 sua obsessão, o sentido de sua vida.
Sobre o erro no jornal? Culpa? Nenhuma. Responsabilidade? É minha*, não importa o quanto a minha vida tenha sido tumultuada nos últimos dias. Não importa se dormi, se comi. Não importa se. A realidade nos exige prioridades. Aquele era meu momento de trabalhar, era minha prioridade, e eu não soube separar do resto. Não importa se porque não segurei a onda no momento, não importa se porque não me preservei antes.
Eu sou um 5. Talvez um 4,5, porque decaí um pouco. Eu erro muito, em muitas coisas. E vou continuar errando – sinal de que estou viva. Este texto está ruim, muito pouco do que tem na minha cabeça.
O reconhecimento do erro e uma errata assinada na próxima edição é o máximo que eu posso fazer. Além do dever, eu tenho o direito de assumir meus erros. Algumas pessoas fazem isso por ego. Eu faço pra nunca esquecer como sou imperfeita e que é isso que me faz pertencer ao mundo real.
Fora isso, vou ter que aceitar as consequências.
*Nem sempre é assim. Para a maioria das pessoas, simplesmente não é oferecida a possibilidade de errar em trabalho. Não quero, de modo algum, generalizar a questão.
Cometi um erro no trabalho. Não qualquer erro, um erro grave mesmo. Foi um erro de revisão na capa de um jornal, que não só mudou o sentido da manchete: ganhou um significado diametralmente oposto. Era de um artigo muito importante. Óbvio, senão não estaria na capa.
Fiquei sabendo caminhando na rua. Uma mensagem da minha chefe no grupo do trabalho no WhatsApp. Juro: paralisei. O semáforo abriu e fechou e eu fiquei ali prostrada. Sabe quando o sangue percorre todo o corpo e vai parar na cabeça? Minhas mãos tremiam, meus olhos se encheram. Eu absorvi na hora a gravidade daquele erro. Fui tomada por uma culpa enorme.
A primeira coisa que fiz foi mandar uma mensagem pedindo desculpas e assumindo o erro, o que foi muito correto. Na sequência, fiquei pateticamente tentando explicar o erro. “Eu estava sem dormir”, “eu estou com problemas”, “eu isso, eu aquilo”. E tudo que eu disse é verdade, o que não me torna menos patética. A minha vontade era ficar pedindo desculpas até morrer. Atravessei a rua chorando.
Isso tudo se passou em alguns minutos. O tempo de eu acordar e ter que agir como adulta. Que crise histérica foi aquela? Parei com aquele escândalo interno e só pensei que ia ter consequência e que eu teria que achar um jeito de lidar, porque resolver não dava. Reconhecer o erro já era um bom começo.
Fui pensando nisso até o consultório da minha psicóloga. Lá, falamos sobre as outras coisas que eu mencionei acima. A história do erro surgiu, evidentemente, embora não tenha sido o centro da sessão.
Mas por que diabos aquilo tomou aquela proporção para mim? Não vou, aqui, entrar no mérito sobre o que as outras pessoas estão achando, se vão brigar, me punir. Que seja. A primeira questão é: por que eu não posso errar? Por que sempre fico desproporcionalmente mal quando a coisa não fica perfeita? Os jornalões erram o tempo todo! Por que eu não posso?
Curiosamente, tive uma conversa com uma amiga um dia antes, quando ela ia para a sua terapia. Ela lembrou de uma cena fantástica do filme O Lado Bom da Vida, quando as personagens Pat (Bradley Cooper) e Tiffany (Jennifer Lawrence) e a família inteira comemoram loucamente uma nota 5 que os dois ganharam num concurso de dança. Para quem assistia e para os jurados, aquilo era surreal. Como alguém podia comemorar um 5?
Aí ela disse uma coisa muito significativa que, conscientemente ou não, tem tudo a ver com o que eu penso: “Eu devia me contentar em ser um 5. Ou não, eu sou um 7. Um 6,5, porque andei decaindo” (confesso, achei engraçado). A diferença entre nós? Ela falou num tom de frustração por não ser o 10 que sempre quis ser em tudo. Eu, ao contrário, comemoro o 5. E nem sempre é 5. Às vezes é 1, outras, 9.
A resposta que eu dei é inacreditável no contexto que narrei acima. Lembrei imediatamente das CNTPs, as condições normais de temperatura e pressão. Grosso modo e controvérsias à parte, um gás ideal tem 0ºC de temperatura e pressão de 1atm. Esse gás não existe. O 10 é o gás ideal. É uma referência muito importante, porque precisamos de referenciais. Mas não somos tabelas, nem termômetros, nem listas, nem sei lá o que (eu tinha uma metáfora melhor, mas esqueci).
A sociedade nos pressiona o tempo todo. Quando não somos um 10, vem a cobrança e a culpa. A culpa é uma criação do cristianismo, certo? Não existia antes dele. Nada mais é do que uma forma de controle social. Quero poder falar só sobre isso em algum momento. O conceito de perfeição é completamente arbitrário.
Eu sei de tudo isso. Eu digo isso para as pessoas o tempo todo. Hoje eu tive a chance de perguntar pra mim mesma: por que isso não se aplica a mim? Não sei, é irracional. Ainda preciso pensar a meu respeito, mas, por favor, não faça do 10 sua obsessão, o sentido de sua vida.
Sobre o erro no jornal? Culpa? Nenhuma. Responsabilidade? É minha*, não importa o quanto a minha vida tenha sido tumultuada nos últimos dias. Não importa se dormi, se comi. Não importa se. A realidade nos exige prioridades. Aquele era meu momento de trabalhar, era minha prioridade, e eu não soube separar do resto. Não importa se porque não segurei a onda no momento, não importa se porque não me preservei antes.
Eu sou um 5. Talvez um 4,5, porque decaí um pouco. Eu erro muito, em muitas coisas. E vou continuar errando – sinal de que estou viva. Este texto está ruim, muito pouco do que tem na minha cabeça.
O reconhecimento do erro e uma errata assinada na próxima edição é o máximo que eu posso fazer. Além do dever, eu tenho o direito de assumir meus erros. Algumas pessoas fazem isso por ego. Eu faço pra nunca esquecer como sou imperfeita e que é isso que me faz pertencer ao mundo real.
Fora isso, vou ter que aceitar as consequências.
*Nem sempre é assim. Para a maioria das pessoas, simplesmente não é oferecida a possibilidade de errar em trabalho. Não quero, de modo algum, generalizar a questão.
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