segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Já que não consegui escrever o artigo que queria sobre a série, vou deixar aqui alguns comentários. Confesso que estou com medo de ser irresponsável... Aceito ser repreendida e criticada. Contém spoiler.



Antes de tudo, é importante ressaltar que não sou especialista. São apontamentos e opiniões a partir de experiências semelhantes que vivi e como lidei com elas. Portanto, não tenho a pretensão de oferecer soluções nem de tirar conclusões definitivas. Estou aberta ao debate. E apesar de todas as críticas, acreditem: criei uma forte empatia com a personagem. Também já fui a vadia de algum lugar, levei mão na bunda, vi uma das minhas melhores amigas se afastar porque sua mãe não queria que ela andasse comigo, me cortei, tive ideação suicida e um longo etc. Tudo isso na adolescência. E dói. Dói demais!

Também não quero discutir o papel da arte, sequer o conceito de arte. Não vou entrar na polêmica sobre se teledramaturgia é arte ou não. Sendo arte, sou a favor de toda liberdade de criação via de regra. Entretanto, acredito que haja uma linha tênue entre liberdade de criação e poder de persuasão. Algo parecido com a diferença entre liberdade de expressão e liberdade de opressão.
Vamos ao que interessa.

A série, original do Netflix, é baseada no livro homônimo de Jay Asher. Resumidamente, o adolescente Clay Jensen (Dylan Minnette) recebe uma caixa com sete fitas gravadas por Hannah Baker (Katherine Langford), sua amiga e garota por quem ele era apaixonado, que se suicidara duas semanas antes. Cada lado de cada fita é uma razão que a garota dá para seu ato final. O lado B da última fita está vazio. As razões envolvem outros adolescentes e colegas de escola de Hannah que também ouviriam a fita.

Assisti à série inteira de uma só vez. Num primeiro momento, achei superbacana. Porém, passados uns dias e a comoção inicial, voltei à razão e percebi que minha opinião era superficial, irracional e inconsciente (no sentido freudiano do termo). Primeiro, preciso dizer que assisti o negócio inteiro num dia em que estava numa tremenda crise. Foram cerca de 13 horas sendo bombardeada por questões psicológicas bastante pesadas. Isso já criou, de início, uma identificação. Segundo, eu sou uma adulta que já passou por várias situações potencialmente suicidas e que as superou. Que já teve crises graves e passou por elas. Ou seja, o meu olhar é muito diferente do olhar de um adolescente, público ao qual é destinada a série.

Foi aí que tentei fazer o exercício de retorno à minha adolescência. A primeira coisa que lembrei foi que, aos 14 anos, eu queria ser Christiane F., depois de assistir algumas vezes ao filme-frisson dos adolescentes rebeldes dos anos 1980, Eu, Christiane F. 13 anos, drogada e prostituída e de ler o livro – edição com fotos, vale ressaltar. Esse filme era proibido para menores de idade. Já era o máximo da afronta infringir a lei nas locadoras de vídeo e reunir os amigos do colégio enquanto os nossos pais estavam no trabalho. Isso já diz muita coisa. Lembrei-me, também, de cada uma das situações que citei no início.

A partir dessa perspectiva, não dá para ignorar que a série tem sua importância por trazer à tona temas-tabu que precisam ser discutidos. Eu mesma sou da opinião de que uma das formas de prevenir o suicídio é conversando sobre ele, desmistificando. A cada 40 segundos, aproximadamente, uma pessoa tira a própria vida no mundo. É um grave problema de saúde pública mundial, e não podemos ficar indiferentes a isso. O problema está na forma como se faz isso.

Abordar o machismo e a objetificação das meninas desde muito cedo, a competitividade cruel nas escolas, coisas ruins que precisam ser combatidas e, infelizmente, comuns entre estudantes, também é admirável. Evidentemente, há todo um contexto de escola secundária norte-americana que, por si só, já confere várias especificidades à história.

Quero, ainda, dar um destaque especial ao fato de se falar sobre estupro. Na série, são mostrados dois casos. O estupro de vulneráveis é um problema social gravíssimo entre os jovens. Nos Estados Unidos, assume proporções ainda maiores. Esse tema mereceria uma série à parte.

O problema é todo o resto
Todos os elementos citados não minimizam o caráter irresponsável e até nocivo da série. Comecemos nos perguntando: do que se trata exatamente? Bullying? Machismo? Questões existenciais adolescentes? Crime de estupro? Suicídio? Não está claro (minha interpretação é que era para ser sobre bullying). Todos os temas são pontuados e jogados num mesmo balaio. Os crimes de estupro, por exemplo, estão no mesmo nível do abandono de Hannah pela amiga Jessica (Alisha Boe) quando essa começa a namorar Alex (Miles Heizer).

No entanto, sem dúvida, o que marcou toda a trama foi o suicídio. E o fato mais marcante da história não é explicado nem desmistificado. Em momento algum é mostrado que Hannah tem algum tipo de transtorno psicoemocional ou que está numa crise depressiva. Pelo contrário, em vários momentos – e parece-me que intencionalmente –, tenta-se mostrá-la como uma adolescente normal, com todas as crises normais de alguém da sua idade. Às vezes, até mais normal que o normal.

Ao longo da história que a própria personagem conta, não há ideação suicida (a representação mental sobre a própria morte sem que culmine, necessariamente, no ato em si). Quando ela decide pela própria morte, ela já passa à ação (gravar as fitas). Se interpretado friamente como “qualquer um pode se matar, é só querer” (o que não é mentira), isso pode se transformar em gatilho para suicídios na vida real. Aliás, isso fica demonstrado na própria série, na tentativa de suicídio de Alex. E há eventos que podem servir de gatilho mental para outras coisas que não o suicídio, como o desenvolvimento de transtornos, crises etc. (Corrijam-me os especialistas se eu estiver dizendo besteira, por favor.)

Não é oferecida opção além do suicídio. Por esse motivo, pode ser que ela própria esteja oferecendo o suicídio como opção às vítimas de bullying, porque é verdade que pessoas se matam por sofrerem bullying. Do ponto de vista interno da série, não dá para afirmar categoricamente que Hannah buscou ajuda. O que mais se aproximou disso foi a procura pelo psicólogo da escola que, aí sim, ele a trata de forma completamente negligente e nojenta. E, por ser um profissional que estava ali para isso, deveria ter percebido que, no mínimo, algo muito sério estava acontecendo.

Para ser justa, é oferecida, pelo menos uma vez, uma opção explícita ao suicídio: a automutilação. A sombria personagem Skye (Sosie Bacon) mostra os braços cortados a Clay e diz: “suicídio é para os fracos”.

A parte que acho mais complicada: a questão dos sinais e da culpa. A culpa é o grande castigo que Hannah deixa para seus colegas e, de forma especialmente cruel, para seu amigo Clay. Em determinado momento, numa das gravações, ela diz: “por que você não disse isso enquanto eu estava viva?”. Minha percepção é que, além de uma vitimização, há aí uma cobrança para que Clay tivesse lido os sinais de Hannah. Esse é o elemento chave, o fio condutor por trás da trama: ninguém leu os sinais de Hannah.

Na dramaturgia, a expressão corporal e facial é a parte mais importante da atuação, senão a própria atuação. Nesse sentido, para o espectador, ficam nítidos os momentos de tristeza, desconforto, alegria, dúvidas e até os “deixa pra lá” nas tentativas não concluídas de pedir ajuda. A intenção é essa. Porém, numa situação real, isso não é possível. Até mesmo um profissional teria de ter um contato cotidiano com a pessoa, acompanhar o desenvolvimento do caso. Algumas pessoas mais sensíveis e mais próximas, que a conhecessem bem, talvez também pudessem ter essa sensibilidade. Mas o importante é saber que você não tem essa obrigação de adivinhar o que se passa na cabeça do outro.

O jogo empurra para as demais personagens a responsabilidade pelo suicídio. Não acho que eles não devessem ser punidos de alguma forma, com pesos diferentes de acordo com seus delitos. Coisas terríveis aconteceram com Hannah e, evidentemente, há responsáveis. Mas a impressão que fica é que as coisas são assim mesmo e vão ser assim para sempre. Da mesma forma, o ser humano não poderia mudar, e estariam todos rotulados para sempre como um dos lados das fitas de Hannah. Logo, só resta a vingança. Parece até que há uma satisfação póstuma da personagem. A protagonista é uma justiceira, e o suicídio é sua arma.

A mesma responsabilidade absurda acaba sendo jogada para o espectador. Quantas pessoas não devem ter pensado, depois de ver a série, que são obrigadas a cuidar de todo mundo à sua volta? Quantas não ficarão traumatizadas caso uma pessoa próxima se suicide, achando que podiam ter evitado? Não, não é possível evitar. É possível ajudar, o que é bem diferente. E “ser possível” também é bem diferente de “ser obrigado”.

E já que falei em ajuda, não queria terminar este texto sem falar do Centro de Valorização da Vida, o CVV. O serviço serviu como uma espécie de assessoria ou consultoria para a produção da série. Preocupa-me que o resultado tenha sido esse e que a coisa mais básica não tenha sido evitada: a cena ultrarrealista do ato suicida. Por questões éticas, não vou descrevê-la.

Inclusive, foi muito comemorado o aumento do número de chamadas para o CVV. O que me pergunto é: o número aumentou porque as pessoas resolveram buscar ajuda ou porque aumentou o número de pessoas pensando em suicídio? Não tenho como responder, possivelmente uma combinação das duas coisas, e não há nada a se comemorar nisso.

No fim de tudo, a sensação que ficou foi de que, por mais que tente dizer que não, 13 Reasons Why é uma forma de entretenimento com uma tentativa de conscientização que fracassou.

Enfim, pensei em muitas outras coisas, 13 Reasons Why pode ser dissecada e render dezenas de textos. Deixo essa tarefa para os especialistas. Mas penso que podia ter pelo menos um aviso, em todos os episódios, de que o conteúdo pode ser inapropriado para determinados públicos. Como o ID [Investigação Discovery] faz.

Querem uma dica de série adolescente muito legal? Freaks and Geeks. É de 1999, mostra todas as crises adolescentes e também está no Netflix.

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