Seis horas. O som estridente do despertador. Desligo e durmo mais dez minutos. Acordar, tomar banho, escovar os dentes. Sair correndo. Faculdade, trabalho, faculdade de novo, casa. Dormir, acordar, tomar banho, escovar os dentes, sair correndo.
No caminho, quase atropelamento. Correr para pegar o ônibus. No horário do almoço, uma reunião. Comer alguma coisa correndo e ir para o trabalho correndo. Mil pessoas, mil ois, mil sorrisos, solidão.
Ligo o rádio. Uma música me violenta. Sexualmente. Mudo a estação e lá está ela de novo. Sinto vontade de gritar, de reclamar. Para quem? Ao invés disso, vou a uma festa e vejo mulheres – mulheres? meninas? – como eu, cantando e dançando a tal música que me agrediu pouco tempo atrás.
Ligo a televisão: uma bunda, um par de falsos seios. Mulheres fabricadas em série. Homens vulgares e fúteis. A mesma música. Mudo o canal: sangue, violência, enganação, teste de DNA, o casal que briga tendo como plateia o país inteiro. Beba Coca-Cola, sempre Coca-Cola. Que cores estão na moda? Que corte de cabelo? Qual o melhor xampu? Qual a margarina que não engorda? Desligo.
Desligo a TV, desligo do mundo, ligo o cérebro.
No espelho, o rosto feio, triste e pálido, as olheiras profundas.
Dor? Saudades? Desesperança?
Não corra. Não pise na grama. Não fume. Não coma gordura, nem doces, nem carboidratos. Não beba: engorda. Não aceite carona. Não fale com estranhos. Não acredite nos homens. Não confie em seus colegas de trabalho. Você não tem amigos. Não acredite em amor. Não acredite em nada e em ninguém, nunca.
Um amigo liga. Convida para sair ou só para bater um papo. Não vai dar, tenho compromisso. Semana que vem? Também não...
Se falar de política, chata.
Se faiar de festas, alienada.
Se falar de comida, gorda.
Se falar de sexo, vulgar.
Se falar de moda, legal.
Estou perdendo o jogo.
Para quem? Com quem estou jogando? Por que é tão difícil ser eu mesma?
Que solução? Aceitar a corrupção da alma, da personalidade? Nunca.
Não ser aceita é o preço.
Estou perdendo o jogo.
Porto Alegre, 14 de março de 2001
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