quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

POR LU CANDIDO :: 
Estava passando férias na casa da minha mãe e aproveitei para fazer uma das coisas que acho mais chatas, mas precisava fazer: ir ao shopping. Bom, isso é chato hoje. Antigamente, não só adorava como era compulsiva por compras. Crises de mania...


Quase chegando ao shopping, olhei para o outro lado da rua, e uma coisa me chamou a atenção. Deixei no cantinho das ideias e entramos no shopping. Entra e sai de lojas, experimenta aqui e ali. É barato, mas não gosto. Amei, mas não posso pagar. E a cena se repetiu até sairmos com um casaco e duas blusinhas. Essas últimas desnecessárias, mas – pasmem! – gastei R$ 16 nas duas. (Ops! 99% curada, mas aquele 1% compulsiva...)

Saindo do shopping, peguei minha mãe pelo braço e atravessei a rua. Parei em frente à bilheteria.

– Moça, adulto pode?

– Depende.

– Aquele, disse eu apontando para a roda gigante do parquinho de quermesse que eu não via um há quase vinte anos.

– Claro!

– Então me vê dois ingressos.

Minha mãe me olhava, me cutucava. Cochichava umas coisas que eu fiz questão de não ouvir, provavelmente tentando me dissuadir da ideia e dizer que ela não ia fazer isso de jeito nenhum. Eu nem aí.

– Mãe, foda-se. E que que tem pagar mico de vez em quando? Ninguém aqui me conhece mais mesmo.

– Mas eu sim, todo mundo me conhece. E se aparecer algum conhecido e me ver?

Blá blá blá e fomos para a fila rindo – as duas! Eu sabia que ela estava se divertindo. E eu mais ainda! Começamos a rir, fizemos selfie (e olha que eu odeio selfie), analisamos as pessoas da fila, falamos bem, falamos mal. A maior preocupação dela passou a ser a minha: quantas rodas deve dar esse negócio?

E chegou, finalmente, a nossa vez. Geeeeente... o negócio não tinha nem trava de segurança. Estávamos ansiosas, pensando no melhor lugar para ver a capital (sim, tinha vista para outra cidade), no melhor ângulo para tirar fotos, só na primeira volta, porque as outras eu ia só curtir. Sou daquelas pessoas que acham que perdem os melhores momentos quando preocupadas em registrar tudo.

Vou pular a parte do brinquedo em si.

Silêncio. Descemos com cara de “E?”. Quebrei o silêncio com um “que troço sem graça”, ao que ela respondeu com um “puta merda” em tom de frustração. Bom, já que estamos aqui, vamos ali no supermercado comprar um vinho.

Não posso falar por ela. No que diz respeito a mim, acabei com uma das boas lembranças de infância. A última vez que tinha andado de roda gigante, não tinha nem dez anos eu acho (a última mesmo, quando adolescente, fumei maconha e andei chapada com o carinha que eu ficava na praia, não conta). Algumas coisas devem ficar no passado... Será mesmo?

Enquanto escrevo este texto, estou rindo. Foi mais uma das minhas (mãe, ponha essa na sua conta também). É uma história a mais para contar. Do alto dos meus trinta e muitos anos, ainda consegui brincar. E fazer minha mãe, de quase setenta, brincar também. Espero que ela tenha se divertido.

Eu não sei que norma maldita da sociedade estabeleceu que brincar é coisa de criança. Eu não sei em que momento nós perdemos a capacidade de nos divertirmos com a mesma facilidade de uma criança. Em que momento perdemos a capacidade de rir, inclusive de nós mesmos?

Passamos uma vida inteira buscando sentido, procurando a tal da felicidade, e ela estava bem ali, num parquinho pobre num estacionamento de supermercado. Calma, superego, logo falarei de você. Dois dias depois, eu tomaria uma decisão muito difícil e triste. Mas naquele momento eu ri e me diverti.

A sociedade nos impõe uma felicidade inatingível, que dedicamos nossa vida a buscá-la, para que sempre tenhamos de trabalhar por ela. Para que nunca abramos os olhos. A sociedade nos impõe um modelo de família e de vida em que não cabem variações: existe o “para adultos” e o “para crianças”, passando pelo “para adolescentes”, onde foi encontrado um nicho de mercado altamente lucrativo e cruel.

É importante uma categorização de idades? Creio que sim. Mas para quê? E será que se encaixa em número de anos? Ao longo de décadas foram sendo acrescentadas normas que só atendem a interesses externos, não aos humanos. Seguir ao padrão não vai, necessariamente, deixar você mais “correto”. Não vai deixar você mais feliz. É sério! Pelo menos ajude seu corpo a produzir dopamina. Não deixe o lúdico se perder nunca.


Dica: o filme que inspirou o título deste texto: “Tarja Branca” (2014), de Cacau Rhoden


PS.: Enquanto andávamos para o supermercado, resolvi parar num brinquedo que não sei o nome (nem o pessoal do parque sabia), que fica rodando rápido e tocando pagode brega. Ali eu ri, chorei de feliz, descumpri todas as regras de segurança, senti adrenalina. Tocava “eu quero ver você mandar na razão...” e “eu quero é viver em paz, por favor...” (esqueçamos o resto da letra).

Eu não deixei minha mãe ir, porque ela já teve crise de pressão alta e tals... me arrependi disso amargamente depois. Dei uma de mãe controladora e impedi minha própria mãe de viver o lúdico. Pedi à minha irmã que fosse ao parque com ela e depois me contassem, desde que minha irmã sentasse ao lado da minha mãe para que se ajudassem a se segurarem e para que minha irmã não vomitasse na minha mãe. Ela tem uma festa louca para ir hoje.

Na verdade, o que eu queria dizer é “Mãe, vai! Sozinha mesmo!”. Como acho que ela não vai, tentei comover minha irmã (e ela não é muito comovível, ainda bem). Talvez para aliviar minha própria culpa de tê-la reprimido. Mãe, estamos quites?

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