quarta-feira, 9 de janeiro de 2019


POR RODRIGO BARRENECHEA ::
Não, este não é um texto sobre a superficialidade nas relações contemporâneas. Prometo voltar a esse assunto numa próxima oportunidade. Este é um relato de como precisamos, ocasionalmente, afastar-nos de quem amamos para não nos ferir mais com amores não correspondidos.

Uma piada que andou circulando faz um tempo dizia que os maços de cigarro deveriam ter mensagens mais duras. Um deles dizia: “Ela só quer ser sua amiga”. Acho que sabemos como isso pode doer. E esta é uma história de como isso ainda me dói e de como eu vou acabar tendo de escolher afastar-me para fechar essa ferida. Mas, antes, vamos aos fatos – devidamente floreados para que ninguém saia ainda mais machucado do que já está... ou poderia estar.

Uma noite qualquer, há uns anos, eu a conheci. Ela simplesmente apareceu na minha frente, com dois amigos que estavam já muito destruídos pela noite de bebedeira. Mas ela não. Lá estava ela, linda e relativamente intacta dos efeitos do álcool. Tamanha foi minha fascinação que mal consegui dizer “oi” ao ser apresentado por um amigo em comum. Outro amigo teve a sorte de beijar aquela boca, pelo menos aquela noite. Na manhã seguinte, aquela clássica investigação nas redes rendeu resultados. Eu a encontrei e fiz contato. Marcamos de sair dias depois, era carnaval – data que detesto, mas que minha solteirice me obrigava, ocasionalmente, a ter que ir à rua, em geral levado por alguma paquera de momento. Não sei se foi minha miopia no quesito “brecha” – que precisa ter o tamanho de um outdoor para perceber que há condição – ou se apenas ela queria amizade, mas naquele dia nada aconteceu. Enfim, nos tornamos amigos – num primeiro momento, de forma um tanto superficial, e que foi se aprofundando com o tempo.

Encontrávamo-nos ocasionalmente nas noites do Rio. Shows, festas e coisas assim, algumas, por acaso; outras, por convite, ainda outras, por saber que poderia encontrá-la naquele dado evento. Outro carnaval, por exemplo, foi uma exceção dupla: um bloco que tocava rock de verdade (não aquelas versões com bateria de samba tocando Beatles ou Raul Seixas) e que ela me disse que ia. Mal nos vimos e ela pulou em cima de mim, quase me derrubou no chão, estava com saudade. Terminamos aquele dia esperando uma boate abrir, eu no colo dela, conversa vai, conversa vem. Desistimos e fomos cada um para sua casa. E mais uma vez nada aconteceu. Mas, até então, ela era apenas uma mulher que me atraía, não estava realmente apaixonado nem nada assim.

Antes de passar ao início do primeiro desastre (calma, nada de grave aconteceu!), deixe-me falar um pouco sobre ela. Após completar meus 40 anos, acabei adicionando uma característica ao meu gosto padrão para mulheres: além de mais baixas que eu, e relativamente magras (casei-me pela segunda vez, por dois anos, antes de conhecê-la, com uma bem magrinha), eu passei a sair com mulheres mais jovens que eu – padrão que rompi recentemente, mas isso não vem ao caso aqui. Ela não é exatamente magra, mas é linda, com um sorriso encantador e uma personalidade fortíssima, outra coisa que sempre me encantou. Não é uma mulher perfeita – até porque isso não existe –, mas para mim era o próprio ideal da perfeição. Antes mesmo de admitir que estava apaixonado por ela, sempre pensei que a gente faria um casal e tanto! E isso piorou numa dada noite.

Esse era um sábado de rodada dupla: um show numa garagem e depois um festão onde eu seria um dos DJs, o que me obrigaria a sair cedo do show. Fui para a primeira etapa sabendo que ia vê-la. E, como sempre, ela estava um estouro! Veio com um amigo, que acabou indo embora. E lá estávamos nós dois, sempre juntos, eu ia comprar algo para beber e ela estava me esperando. Ia fumar e ela acabava indo a mim, perguntando aonde tinha ido. Se havia uma chance, era naquela noite! Mas, lembrem-se, eu sou uma toupeira, minha cegueira e minha timidez patológica me impediram de ser mais firme, de chegar junto. Talvez tivesse ouvido um não. Mas, se eu tinha a oportunidade de ouro, era naquela vez. E, como sempre, nada aconteceu; veio a hora de eu ir embora, dei um abraço apertado nela e fui. Prometemos nos falarmos no dia seguinte, e isso aconteceu. Nesse mesmo dia seguinte, após hibernar por horas, esgotado da noite de trabalho, acordei apaixonado.

E agora? Faltava-me a coragem para me declarar. Fui deixando pistas, que amigos e amigas dela notaram. Fui fazer minhas sondagens, ver se teria alguma chance. A casa caiu quando um deles me disse a fatídica frase: “ela só te vê como amigo”. O que fazer? Não havia muito. Permaneci na minha posição de amigo que se amarra nas piadas dela, curte as fotos, mas fiquei na minha. A última coisa que queria era estragar uma amizade por conta de um desencontro amoroso.

O tempo passou, eu tive alguns rápidos relacionamentos – todos fracassados. Meses depois, ela engatou um namoro. Uma das últimas vezes que a vi pessoalmente – creio ser, de fato, a última – conheci o rapaz. Simpático, carinhoso com ela, ele estava exatamente onde eu queria estar. Mas banquei de maduro e torci, como ainda torço, pela felicidade dela.

Essa história tem um final. E uma moral. O final é triste e ao mesmo tempo romântico. E é o que me leva à moral. Há alguns meses, retomamos o contato mais frequente conversando por mensagens, ela no Rio, e eu já no sul. E nos aproximamos, acho até que perigosamente. A afinidade, que já existia, tomou contornos dramáticos. Salvo algumas diferenças de gosto ou escolha, pensávamos em sintonia e um completava as dúvidas do outro. E nisso minha pequena tragédia ficou completa; apaixonei-me pela segunda vez pela mesma pessoa!

Aí foi a instalação do caos primordial: ao mesmo tempo em que pensava que essa relação era para acontecer (caramba, quem se apaixona de novo pela mesma mulher se não alguém que ama verdadeiramente?), fazia propostas mirabolantes, engendrava projetos impossíveis. E no meio disso tudo, pensava em como ela lidaria com esse namorado dela. Por pelo menos um mês, a troca de mensagens foi incessante. E um dia parou. Imagino que ela tenha se dado conta do que estava acontecendo. Que ela poderia estar se envolvendo também, e que problema isso seria para ela. Sinceramente, não sei. Só sei que, repentinamente, ela se calou. E eu, relutando, aceitei.

Marcamos de nos ver. Mas acho que não vou fazer isso. Preciso virar esta página. Preciso me desapegar. Por duas razões: porque estou apaixonado por outra mulher – aquela que rompeu o padrão, e que eu penso que algo bom pode vir disso. E porque meu amor platônico acabou tornando-se tóxico. Fez-me mal. E essa é a moral. Mais além de não se dever mendigar sentimentos – é, isso é básico –, chegar a tal profundidade no amor por uma pessoa e não ser correspondido é algo que dói, e dói muito.

O que o futuro nos reserva? Honestamente, não sei. Mas não pretendo apostar minhas fichas num jogo no qual não consigo saber o que pode acontecer. Pôquer nunca foi meu forte.



Rodrigo Barrenechea é chileno, historiador com dois diplomas, jornalista sem nenhum, poeta sem talento, mas com coragem, e como costuma se ferrar em relacionamentos, acaba frequentando divãs enquanto busca forças para se manter vivo. Também é conhecido como o pior DJ de Rock do Rio, mas sobre isso há controvérsias...


Foto: Rodrigo Barrenechea

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