sexta-feira, 26 de outubro de 2018

“Na maioria das situações, juízos fáceis, ‘rápidos e simples’ são suficientes. Mas em outras, quando a precisão importa – como quando é necessário temer as coisas certas e despender nossos recursos de acordo –, é melhor restringirmos nossas intuições impulsivas com pensamento crítico. Nossas intuições e processamento inconsciente de informações são rotineiramente poderosos e, às vezes, perigosos.”


“Sem dúvida, situações poderosamente maléficas às vezes sobrepujam as boas intenções, induzindo as pessoas a concordar com falsidades ou consentir na crueldade. Sob a influência nazista, muitas pessoas a princípio decentes se tornaram instrumentos do Holocausto.”
(David G. Myers)*


Estamos a dois dias das eleições presidenciais no Brasil. Como um blog que tem como foco saúde mental e comportamento humano, entendemos que não nos posicionarmos diante da situação em que se encontra nosso país seria irresponsável e incoerente com nossa razão de existir.

O Brasil está mergulhado numa profunda crise social à qual se somou uma crise política de enormes proporções. Vimos nossas condições de vida se deteriorarem. Os bilhões de reais que escoam pelo ralo da corrupção são os que faltam na escola de nossos filhos, nos postos de saúde, na moradia, nos salários. Estamos todos indignados e com razão.

No entanto, por mais que tenhamos essa compreensão, não podemos fechar os olhos para o enorme retrocesso moral e de consciência que se evidencia nesse processo. Vimos com extrema preocupação a relativização das opressões e a banalização da violência.

Pessoas estão sendo agredidas e ameaçadas nas ruas. Umas, simplesmente por não concordarem com um pensamento único. Outras, por serem quem são: negros e negras, mulheres, LGBTs. Recebemos inúmeros relatos de pessoas próximas ao QSPMSP que foram ameaçadas, ou agredidas, ou que conhecem alguém que foi.

O pensamento crítico e o debate, que devem estar presentes em qualquer sociedade saudável, deram lugar à cegueira e a uma distorção cognitiva coletiva. Não se escuta o outro, não há questionamentos, apenas verdades absolutas. Relacionamentos afetivos estão se rompendo, pessoas estão adoecendo psiquicamente. É a emoção agindo soberana onde ela menos deveria estar.

Em cima de uma justa indignação, alguém viu a oportunidade de crescer. Com a promessa de mudança, um dos candidatos colocou para fora toda a sua virulência. Dissemina o ódio e o preconceito, divide nossa população. Sua atuação é cruel por defender a barbárie e perversa por se aproveitar de um sentimento justo para manipular a população com mentiras e distorções e governar pelo medo.

Ele diz que é homofóbico com orgulho. Diz que não haverá mais demarcação de terras indígenas – os indígenas, donos de toda esta terra! Para ele, mulher é fraquejada, tem que ganhar menos porque engravida e merece ser estuprada. Fala que os negros são “vagabundos” e não servem nem para reproduzir. Defende publicamente a ditadura e a tortura. E, embora não nos caiba aqui, por ora, falar dos problemas políticos e de corrupção que ele e sua família carregam, eles existem.

Seu discurso foi subindo de tom até culminar na fala do dia 21 de outubro, exibida num telão na Avenida Paulista: “Vamos varrer do mapa os bandidos vermelhos do Brasil. (...) Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia.” Ele também atacou a imprensa e defendeu prisão para a oposição no mesmo discurso.

Não é coerente nem aceitável que aqueles que dizem que querem um Brasil melhor para todos não se choquem diante da defesa da tortura e das ameaças de violenta perseguição aos ativistas e a quem ouse discordar ou pensar diferente de qualquer governo que seja. Não é tolerável o não respeito ao direito de ser o que se é, ao direito de existir de mulheres, negros, LGBTs e indígenas.

Nada disso pode ser visto com naturalidade por seus eleitores, que certamente também serão alvos dessa política de limpeza. Você consegue se imaginar vivendo só com aqueles que pensam igual a você? Pense em todas as pessoas que você conhece: quantas delas sobrariam? São seus amigos e parentes que não poderão andar tranquilos pelas ruas. 

No mesmo sentido, manifestamos nosso repúdio a qualquer tentativa de interferência no exercício da profissão de Psicologia, coisa que ele já expressou, em outros momentos, que vai fazer, em particular no que diz respeito à Resolução 01/99, que orienta os profissionais da área a atuar nas questões relativas à orientação sexual. Desde já, apoiamos e oferecemos nossa solidariedade ativa ao atual Conselho Federal de Psicologia e aos profissionais da área.

Diante de tudo isso, chamamos a todas e todos, homens, mulheres, negras, negros, LGBTs, indígenas a refletirmos sobre o papel que estamos cumprindo nesse momento histórico crucial do nosso país. Você não precisa se associar a tudo isso. Os momentos que mais nos tentam a agir com a emoção também são aqueles em que mais precisamos puxar a razão lá do fundo e não ceder. Não se faz política com o fígado.

Todos nós queremos mudanças, também não estamos satisfeitos com a atual situação. Porém a mudança só virá pelas nossas próprias mãos e, para isso, precisamos de liberdade. Se ela nos for tirada agora, o caminho que teremos de percorrer até ela de novo será longo, escuro e doloroso.

Será que vale a pena pagar para ver?



*David G. Myers é um psicólogo norte-americano formado pela Universidade de Iowa. Myers leciona psicologia no Hope College, é autor de dezenas de livros e mantém a Fundação David & Carol Myers, que provê verbas para organizações filantrópicas. É autor de vários estudos na área de Psicologia Social.

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