POR LU CANDIDO ::
Outro dia, alguém escreveu num grupo: “É normal você sentir saudades de si mesmo? De como você era alegre?” Eu respondi na hora: “Claro, supernormal. É sinal de que está na hora de voltar.” Que resposta estúpida... Mas não adianta chorar sobre o enter apertado. Não era nada que não pudesse ser consertado.
Antes de sair escrevendo, passei os olhos pelos outros comentários: “Onde foi parar aquela pessoa alegre que existia em mim?” “Sinto muita falta de quem eu era.” “Sinto todos os dias, eu era outra pessoa.” “Nunca fui realmente alegre.” “Sinto saudade de quando eu via tudo fantasioso. Depois, a realidade bateu muito forte.” “Eu tenho saudades de mim e vou voltar como era antes, em nome Jesus.”
Senti, então, que devia responder antes que Jesus voltasse. Não que eu me ache Deus, longe de mim. Só que provavelmente rolaria uma polêmica.
Essa simples resposta minha – não totalmente equivocada, mas incompleta em minha opinião – rendeu horas de devaneios e vaivéns. Num primeiro olhar e sendo simplista como fui, é evidente que é possível. Sentimos saudades das coisas alegres, e se essa coisa alegre for você, é de você que sentirá saudades. Além do mais, ninguém sente saudades do que é ruim.
Porém você pode me dizer: “meu ex foi um canalha e eu sinto saudades dele.” Não amiga ou amigo, você não sente. Você sente falta da representação que você faz dele. Não estamos entrando aqui, evidentemente, em outros temas e sentimentos muito mais profundos que provocam essa falta. Deixo essa tarefa aos psicólogos.
Contudo, o que mais me chamou a atenção foi a quantidade de pessoas com saudade de quem haviam sido um dia. Se me perguntassem se eu gostaria de viver como no tempo em que eu tinha 12 anos? É óbvio que sim! Verão inteiro na praia, os primeiros namoradinhos, primeiro beijo, primeiras festinhas de garagem (com luz acesa), primeira bebida alcoólica (um keep cooler dividido para quatro), jogo de verdade ou consequência armado para formar casaizinhos.
Não que não houvesse tristeza. Tinha sim, e não era pouca. Passava a noite chorando ouvindo “It Must Have Been Love” do Roxette no repeat, que consistia em ouvir a música, tirar a fita do walkman e rebobinar com uma caneta. Tudo isso porque o (não sei como chamar o crush de 13 anos daquela época) não tinha ido à aula. As coisas se resolviam no dia seguinte, quando você passava por ele na escola fazendo de conta que não o viu, esperando que ele notasse você. No meu caso, ele sempre notava, porque normalmente eu tropeçava e, não raro, me estabacava no chão.
(Bateu a maior saudade agora! Estou ouvindo Roxette, e se vocês contarem isso para alguém, vou negar até a morte!)
Deu vontade de fazer tudo isso de novo agorinha. No entanto, sejamos honestos: você consegue imaginar alguém com 14.393 dias de idade sentada na calçada, com um keep cooler, ouvindo Roxette e esperando a sua vez de jogar para dar um selinho no bonitinho? Ou catando cavaco (como o Tite no jogo Brasil x Costa Rica) na escola para se exibir para um garoto de 13 anos?
Não, não dá. Assim como não posso voltar aos 20 quando entrei na faculdade. Nem aos (deixa pra lá) quando me formei. Nem aos 29 quando me casei. E por aí vai.
Ninguém deixa de ser. As pessoas apenas se transformam, a realidade se transforma. Evidentemente, se focarmos apenas nas festinhas de garagem e nas paquerinhas, a vida adulta vai ser uma bosta (desculpem, esqueci de avisar que sou desbocada).
Você não sente saudades de quem você era, você sente saudades da vida que você tinha. É verdade, talvez aquela vida, aquele momento, fosse mais alegre. Aí não adianta sentir saudade. Sinto informar que ainda não é possível voltar no tempo. Isso não vai fazer o seu “eu” de hoje mais alegre. Você tem duas opções, ambas legítimas.
Uma é sofrer e ponto. Lembre-se das coisas boas que você viveu e que fazem você ter esta impressão de que era alegre e agora não é mais. Torture-se ouvindo as músicas daquele tempo tão feliz (no Spotify ou no YouTube, por favor). Vasculhe a vida dos seus antigos amigos nas redes sociais e veja como eles são mais felizes que você, porque, sim, ali eles serão. Chore. Por que não? Quem disse que é proibido? E pare por aí.
Outra possibilidade é deixar para trás. Há quatro anos, tive de deixar uma vida inteira. Eu não queria, mas o mundo andou. Amigos, um companheiro, uma casa. Vou poupá-los dos detalhes. Não é difícil imaginar uma separação. Doía de um jeito que parecia que não ia passar nunca mais. Porém comecei a reorganizar a vida.
Um dia, percebi que estava morando num dos bairros boêmios mais tradicionais da cidade, a dez minutos do trabalho, ou melhor, a dez minutos de qualquer lugar. Estava fazendo amigos novos e reencontrando velhos. Tinha dezenas de teatros e bares ao meu redor. Comecei a sair sozinha. Foi maravilhoso. Vivi aquilo com toda a intensidade que eu pude.
Depois, mais uma vez, passou. Pessoas foram sumindo, o público dos meus lugares foi mudando, o dinheiro acabou. Aquilo já não cabia mais em mim. Fiquei triste algumas vezes. Lembrei-me sim de tudo que aconteceu, dos que passaram, dos que se foram, dos que ficaram. Porém eu mesma quis e resolvi que era hora de deixar para trás. Eu sabia que outros momentos viriam e deixariam saudades um dia.
Nós, humanos, temos um mecanismo que nos faz lembrar apenas das coisas boas ou supervalorizá-las. Isso nos faz sofrer com a saudade. Olhe para aquele “você alegre” do passado, olhe em volta dele e responda: era tudo tão feliz assim mesmo? Provavelmente não, da mesma forma que coisas maravilhosas devem ter acontecido. Então, lembre-se de tudo, chore, sinta muita saudade e sorria. Olhe as fotos antigas, vá aos reencontros do colégio, conecte-se com seus antigos amigos nas redes, conte suas histórias, mas continue construindo a sua estrada, aquilo que vai ser o passado que vai fazer você sentir saudades.
Contudo, nunca esqueça: a saudade que você sente não é de você. O “eu” que você é hoje e acha que deixou de ser feliz é o mesmo que provavelmente tem um potencial enorme para a felicidade. E é o mesmo que vai ficar triste também.
Não confunda o lado bom da vida com ditadura da felicidade.
:: Publicado originalmente no blog Mi Mezcla
Outro dia, alguém escreveu num grupo: “É normal você sentir saudades de si mesmo? De como você era alegre?” Eu respondi na hora: “Claro, supernormal. É sinal de que está na hora de voltar.” Que resposta estúpida... Mas não adianta chorar sobre o enter apertado. Não era nada que não pudesse ser consertado.
Antes de sair escrevendo, passei os olhos pelos outros comentários: “Onde foi parar aquela pessoa alegre que existia em mim?” “Sinto muita falta de quem eu era.” “Sinto todos os dias, eu era outra pessoa.” “Nunca fui realmente alegre.” “Sinto saudade de quando eu via tudo fantasioso. Depois, a realidade bateu muito forte.” “Eu tenho saudades de mim e vou voltar como era antes, em nome Jesus.”
Senti, então, que devia responder antes que Jesus voltasse. Não que eu me ache Deus, longe de mim. Só que provavelmente rolaria uma polêmica.
Essa simples resposta minha – não totalmente equivocada, mas incompleta em minha opinião – rendeu horas de devaneios e vaivéns. Num primeiro olhar e sendo simplista como fui, é evidente que é possível. Sentimos saudades das coisas alegres, e se essa coisa alegre for você, é de você que sentirá saudades. Além do mais, ninguém sente saudades do que é ruim.
Porém você pode me dizer: “meu ex foi um canalha e eu sinto saudades dele.” Não amiga ou amigo, você não sente. Você sente falta da representação que você faz dele. Não estamos entrando aqui, evidentemente, em outros temas e sentimentos muito mais profundos que provocam essa falta. Deixo essa tarefa aos psicólogos.
Contudo, o que mais me chamou a atenção foi a quantidade de pessoas com saudade de quem haviam sido um dia. Se me perguntassem se eu gostaria de viver como no tempo em que eu tinha 12 anos? É óbvio que sim! Verão inteiro na praia, os primeiros namoradinhos, primeiro beijo, primeiras festinhas de garagem (com luz acesa), primeira bebida alcoólica (um keep cooler dividido para quatro), jogo de verdade ou consequência armado para formar casaizinhos.
Não que não houvesse tristeza. Tinha sim, e não era pouca. Passava a noite chorando ouvindo “It Must Have Been Love” do Roxette no repeat, que consistia em ouvir a música, tirar a fita do walkman e rebobinar com uma caneta. Tudo isso porque o (não sei como chamar o crush de 13 anos daquela época) não tinha ido à aula. As coisas se resolviam no dia seguinte, quando você passava por ele na escola fazendo de conta que não o viu, esperando que ele notasse você. No meu caso, ele sempre notava, porque normalmente eu tropeçava e, não raro, me estabacava no chão.
(Bateu a maior saudade agora! Estou ouvindo Roxette, e se vocês contarem isso para alguém, vou negar até a morte!)
Deu vontade de fazer tudo isso de novo agorinha. No entanto, sejamos honestos: você consegue imaginar alguém com 14.393 dias de idade sentada na calçada, com um keep cooler, ouvindo Roxette e esperando a sua vez de jogar para dar um selinho no bonitinho? Ou catando cavaco (como o Tite no jogo Brasil x Costa Rica) na escola para se exibir para um garoto de 13 anos?
Não, não dá. Assim como não posso voltar aos 20 quando entrei na faculdade. Nem aos (deixa pra lá) quando me formei. Nem aos 29 quando me casei. E por aí vai.
Ninguém deixa de ser. As pessoas apenas se transformam, a realidade se transforma. Evidentemente, se focarmos apenas nas festinhas de garagem e nas paquerinhas, a vida adulta vai ser uma bosta (desculpem, esqueci de avisar que sou desbocada).
Você não sente saudades de quem você era, você sente saudades da vida que você tinha. É verdade, talvez aquela vida, aquele momento, fosse mais alegre. Aí não adianta sentir saudade. Sinto informar que ainda não é possível voltar no tempo. Isso não vai fazer o seu “eu” de hoje mais alegre. Você tem duas opções, ambas legítimas.
Uma é sofrer e ponto. Lembre-se das coisas boas que você viveu e que fazem você ter esta impressão de que era alegre e agora não é mais. Torture-se ouvindo as músicas daquele tempo tão feliz (no Spotify ou no YouTube, por favor). Vasculhe a vida dos seus antigos amigos nas redes sociais e veja como eles são mais felizes que você, porque, sim, ali eles serão. Chore. Por que não? Quem disse que é proibido? E pare por aí.
Outra possibilidade é deixar para trás. Há quatro anos, tive de deixar uma vida inteira. Eu não queria, mas o mundo andou. Amigos, um companheiro, uma casa. Vou poupá-los dos detalhes. Não é difícil imaginar uma separação. Doía de um jeito que parecia que não ia passar nunca mais. Porém comecei a reorganizar a vida.
Um dia, percebi que estava morando num dos bairros boêmios mais tradicionais da cidade, a dez minutos do trabalho, ou melhor, a dez minutos de qualquer lugar. Estava fazendo amigos novos e reencontrando velhos. Tinha dezenas de teatros e bares ao meu redor. Comecei a sair sozinha. Foi maravilhoso. Vivi aquilo com toda a intensidade que eu pude.
Depois, mais uma vez, passou. Pessoas foram sumindo, o público dos meus lugares foi mudando, o dinheiro acabou. Aquilo já não cabia mais em mim. Fiquei triste algumas vezes. Lembrei-me sim de tudo que aconteceu, dos que passaram, dos que se foram, dos que ficaram. Porém eu mesma quis e resolvi que era hora de deixar para trás. Eu sabia que outros momentos viriam e deixariam saudades um dia.
Nós, humanos, temos um mecanismo que nos faz lembrar apenas das coisas boas ou supervalorizá-las. Isso nos faz sofrer com a saudade. Olhe para aquele “você alegre” do passado, olhe em volta dele e responda: era tudo tão feliz assim mesmo? Provavelmente não, da mesma forma que coisas maravilhosas devem ter acontecido. Então, lembre-se de tudo, chore, sinta muita saudade e sorria. Olhe as fotos antigas, vá aos reencontros do colégio, conecte-se com seus antigos amigos nas redes, conte suas histórias, mas continue construindo a sua estrada, aquilo que vai ser o passado que vai fazer você sentir saudades.
Contudo, nunca esqueça: a saudade que você sente não é de você. O “eu” que você é hoje e acha que deixou de ser feliz é o mesmo que provavelmente tem um potencial enorme para a felicidade. E é o mesmo que vai ficar triste também.
Não confunda o lado bom da vida com ditadura da felicidade.
:: Publicado originalmente no blog Mi Mezcla
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