quinta-feira, 27 de junho de 2019

POR LU CANDIDO :: 
Intrigadas com um fenômeno que detectamos há algum tempo, uma amiga e eu decidimos transformar nossas observações em pesquisa científica. Chamamos o nosso projeto de The Ghostman e elaboramos nossas hipóteses.


O fenômeno consistia no desaparecimento de homens. Homens com quem nos relacionamos, independentemente do tipo de relação, que somem repentinamente, em momentos inesperados, sem deixar vestígios. Interrompem uma comunicação quase sempre agradável, sem nenhum sinal de animosidade ou de qualquer mal-estar que os possa repelir. Não raramente, estão fazendo planos ou falando de ações futuras no momento do sumiço. Alguns retornam tempos depois para novamente desaparecer, criando-se, assim, um círculo vicioso.

Nossa primeira hipótese foi que eles faziam isso deliberadamente. Discutimos sobre isso por um bom tempo, pois parecia absurdo que tantos homens adultos tivessem esse mesmo comportamento ao redor do mundo. Além do mais, era tão previsível. Eles não tinham como se reunir para planejar tudo isso, não havia condições logísticas. Apesar de tudo, incluímos a hipótese.

A segunda era fatalista. Previa ocorrência de algo independente da vontade do sujeito, como uma doença, roubo do celular, queda do aparelho na privada, dano irreparável ao aparelho provocado por mordedura de animais, morte do sujeito etc. 

A terceira hipótese era bem menos absurda, apesar de desafiar nossa formação materialista. Supomos que há uma entidade que invade os corpos desses homens e os utiliza como canal de comunicação. Depois some, de modo que eles não se lembram de nada. Ela apaga mensagens, meios e qualquer vestígio da existência da receptora na outra ponta da comunicação. Então, a entidade sai e procura outro canal. Pensando ser a melhor explicação possível, demos a essa entidade o nome do projeto, Ghostman (Homem Fantasma).

De cara, refutamos a segunda hipótese. Justamente por ser fatalista, dependia de dados aleatórios que tornavam a verificação praticamente impossível. E, cá entre nós, somos adultas: não temos dinheiro, nem tempo, nem paciência para isso. Além do mais, não se trata de uma pesquisa duplo-cego para ficarmos fazendo testes com cobaias. Ainda bem.

Imaginem qual não foi a nossa decepção quando tivemos de descartar a terceira hipótese. Após longa discussão, que incluiu física quântica (perdão, Planck), fomos obrigadas a admitir que a única hipótese passível de teste era a primeira. Após testarmos, concluímos que o Ghostman era nosso emissor de carne e osso, que agia de forma completamente estranha por um motivo que teríamos de descobrir.

Falando sério
Sou testemunha do comportamento acima. Uma, duas, três vezes. O padrão é: conhecemos um cara e estabelecemos algum tipo de relação, que pode ser desde uma conversa, um flerte, até um encontro ou mais; as coisas estão legais, leves, divertidas; ele nos elogia, diz que somos ótimas, que quer nos ver novamente. De repente, puf! Some. “Oi? Você está bem?”, você tenta. Simplesmente não responde mais, não faz mais nenhum contato.

No começo, minha primeira reação era ficar preocupada, afinal podia ter acontecido algo com a pessoa. Não fazia sentido que alguém evaporasse. Com o tempo, comecei a pensar que era eu. Ficava mal, tentava descobrir o que havia de errado comigo, repassava cada segundo na cabeça para descobrir o que tinha feito de errado. Lia e relia mensagens de WhatsApp. Gastava meu precioso tempo sofrendo, chorando, pensando que eu era uma pessoa muito ruim.

Um dia, eu parei. Cansei de ver a história se repetir. Não era só comigo. Minhas amigas contavam as mesmas histórias, o tempo todo. Umas diziam que era coisa de aplicativos de paquera, mas isso não explicava. Acontece fora dos aplicativos também.

Então, o que é?

Fantástica fábrica de chocolates
Quando eu era criança, tinha um sonho recorrente. Sonhava que minha mãe me esquecia no supermercado. A loja fechava, e eu ficava sozinha lá dentro. Então, eu me dividia entre o medo de estar perdida, desejando um lugar seguro, e a satisfação do desejo de poder comer todos os doces e guloseimas a meu dispor (em particular, as Trakinas de chocolate).

Isso ilustra um pouco o paradoxo das relações atuais. Não vou discorrer neste texto sobre suas efemeridades. Era de se esperar que, em pleno século 21, tivéssemos evoluído ao ponto de sermos capazes de, minimamente, externarmos nossas emoções. O que aconteceu, aparentemente, foi o contrário. Bom, isso é complexo.

Olho para alguns homens e vejo garotos diante de uma prateleira de doces. Querem pegar todos, mas não dão conta de comer tudo. Então, saem correndo pela porta do supermercado, rumo ao lugar seguro, que nem mesmo sabem onde fica.

Não pretendo, de forma alguma, declarar guerra contra os homens. Acho que o mundo seria bem melhor se aprendêssemos a nos relacionar.

Então, está na hora de vocês saberem algumas verdades a nosso respeito.

Digam alguma coisa
Não superestimem nossos sentimentos. Só porque somos legais, atenciosas, carinhosas, não significa que queremos casar com vocês. Às vezes, só queremos nos divertir, ter uma noite legal, um encontro agradável. Bater papo não significa que vamos obrigatoriamente estabelecer uma relação. Isso vai depender da vontade dos dois, e você vai ter seu momento de expressar o que deseja, que pode ser, inclusive, “não quero ver você novamente”, “não curti” etc.

Às vezes, queremos só sexo mesmo e vocês são os caras com quem gostamos de trepar e nada mais. Podemos querer um relacionamento sério? Claro que sim. Neste caso, tentaremos conquistar vocês do mesmo jeito que vocês fazem quando estão a fim. Se não der certo, ficará tudo bem.

Quando vocês fogem sem explicação, ficamos paranoicas, pensando que o problema somos nós. A sociedade nos ensinou a ser assim, a assumir culpas e mais culpas. Porém, se vocês dizem a verdade, por pior que seja e mesmo que o motivo sejamos nós, dizemos: “Puxa, que pena. Vida que segue.” E passa. Ficamos bem no dia seguinte. Ainda por cima, abre-se aí uma porta para uma amizade, porque vamos respeitar vocês.

Vocês acham que somos frágeis, que vamos quebrar se vocês falarem a verdade. Isso é a maior falácia! Somos capazes de sofrer um dia inteiro e, à noite, estarmos lindas na balada. Ou de chorarmos uma noite inteira e, de manhã, arrasarmos no trabalho. Qualquer coisa, por pior que seja, vale mais que essa incerteza.

Digam qualquer coisa que estiver na cabecinha ingênua de vocês, desde que seja a verdade. Digam: “não quero mais falar com você porque não quero.” Só não nos deixem achar que fizemos algo terrível ou que somos pessoas horríveis quando não somos. Isso é cruel.

Ainda que eu não concorde cem por cento com Exupéry, vocês têm responsabilidade com o que cativam de forma consciente. Vocês não têm que cobrir sua conquista com uma redoma (não mesmo, por favor!), mas ao menos tenham a gentileza de avisar que vai chover, que está ventando ou que está vindo um temporal. Não é difícil fazer isso.

Está errado vocês chegarem ao lado de uma pessoa, darem oi, dizerem que ela é tudo de melhor, que a querem em suas vidas – seja por uma hora, seja por cem anos – e depois sumirem. Está muito errado. É como tocar a campainha do vizinho e sair correndo. Só não está muito errado se você tiver oito anos de idade.

Reconheço que vocês não são obrigados a nos dar respostas. Entendo que é mais cômodo não assumir responsabilidades. É bem covarde também. Ou, pior ainda, agir de forma que não se indisponham com ninguém para criar uma espécie de banco de reserva. Mas saibam que isso é prova de caráter.

Não creio que todos tenham essa dimensão ou que tenham consciência do que fazem, mas o resultado é esse. Nossas vidas vão seguir. Vamos nos recuperar. Tudo passa.

Contudo, quando isso acontece, sempre que nos perguntam por algum de vocês, pensamos e dizemos algo do tipo: “ah, é um babaca que eu conheci.” Não parece legal, né?


Colaboraram: Michele Rocha e Caroline Candido


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