POR LU CANDIDO ::
“Não é ruim você sentir a vida com emoções profundas. Isso não é um problema. Talvez você tenha uma capacidade emocional muito baixa e pense que é uma doença.”
Essa fala é do personagem Marco, do filme Tocados pelo fogo. É lindo, assistam. Marco (Luke Kirby) e Carla (Katie Holmes) se conhecem num hospital psiquiátrico. Os dois estão lá por conta do transtorno bipolar. Eles entram num relacionamento, e a forma como se desenvolve a relação, tendo a bipolaridade como eixo, é magnífica.
LEIA TAMBÉM: Estamos aqui agora, entretenha-nos!
Você já deve ter ouvido falar nos gênios e famosos com transtornos mentais. Meus preferidos são Van Gogh e Edgar Allan Poe. Eles existem de fato. Há uma crença que diz que pessoas com transtornos mentais são muito inteligentes. Aristóteles foi quem levantou essa bola primeiro, lá na Grécia Antiga. Pois bem, estou eu aqui para desapontá-los e mostrar o contrário.
Pode até ser divertido especular sobre essas coincidências, mas o fato é que não existe nenhuma comprovação científica que ligue as duas coisas. O que existe e me irrita profundamente é uma romantização da doença mental, no sentido de minimizar suas consequências patológicas e desprezar o tratamento. Definitivamente, não é nada bom nem glamuroso viver numa montanha russa o tempo todo.
Não sei se consigo explicar e, mesmo que consiga, não sei se é possível entender. Imagine que você não consegue parar de pensar nunca. Esse pensamento é acelerado e desorganizado, você pensa na vez que esqueceu de pedir desculpas por ter pisado no pé de alguém e na origem do universo, tudo ao mesmo tempo.
Ou você está pensando no sentido da vida. De repente, você não sente mais nada. Não sente amor, nem tristeza, nem alegria, nem medo. Só desespero e dor. Você quer arrancar aquela dor e trazer seus sentimentos de volta, mas eles não vêm. Você começa a querer sair do mundo.
Como isso pode ser bonito?
Van Gogh. Foi diagnosticado com bipolaridade depois de morto. O Dia Mundial do Transtorno Bipolar é 30 de março em sua homenagem, pois é o dia de seu aniversário. Van Gogh foi brilhante! Ele não viveu o seu sucesso. Sofreu a vida toda, cortou uma orelha e morreu com um tiro desferido por ele mesmo.
Edgar Allan Poe. Estupendo! Afundou-se no álcool e tentou se matar. Escreveu uma carta contando sobre seus pensamentos suicidas. Dias antes de morrer, foi encontrado na rua em ‘delirium tremens’. Suas últimas palavras foram: “Senhor, por favor, ajude minha pobre alma.”
Se houvesse lítio em suas épocas, o que eles teriam escolhido? Nunca saberemos, mas eles teriam uma escolha.
Eles e muitos outros eram fantásticos, brilhantes, magníficos, geniais porque eram. Não precisavam de uma doença para isso. Eles sofreram muito e a doença deve ter tirado muita coisa deles.
Autoestigma
Quando um paciente assume essa postura, há uma negação em função não só da não aceitação em si, mas também pelo fato de ainda ser uma doença estigmatizada. Chamamos de autoestigmatização, quando a pessoa reflete preconceito nela mesma.
Em pacientes em mania, que é o caso de Marco, um dos sintomas é a autoestima exageradamente elevada. A pessoa também pode achar que está muito criativa e produtiva e que a medicação vai tirar isso dela. Ela tem surtos de hiperatividade, assume muitas tarefas e compromissos. Mas são só sintomas que vão passar. Depois, vem a paralisia, as tarefas e compromissos não são cumpridos e, quando isso acontece, pode ser devastador. Cedo ou tarde, vai haver sofrimento.
O preço da consciência
Outro dia, eu andava pelo centro da cidade distraída. De repente, foi como se tivesse ligado um botão e eu começasse a enxergar. Vi uma legião de mendigos e pedintes, gente deitada aos pés da indiferença de quem passava, inclusive a minha. Nada que eu não tivesse visto antes, mas, naquele momento, senti uma dor enorme. Sinto isso desde criança. Ali, desviando dos pedintes e sentindo a dor alheia, por um segundo, desejei estar anestesiada. Uma droga qualquer, álcool, qualquer coisa que escondesse a realidade.
Essa dor que sinto não é depressão: é o preço que eu pago por manter minha sanidade. É ser e estar consciente o tempo todo, consciente de mim e do mundo ao meu redor. Conseguir pensar, sentir plenamente, raciocinar e racionalizar em tempo integral. O tratamento me dá isso. Isso se aplica a todas as emoções positivas também, que são a maioria. Quanto ao resto – efeitos colaterais, um ano ou dois a menos de vida – não é nada. Pior seria estar alienada de mim mesma.
É falso dizer que a medicação tira a personalidade e a criatividade. Ela baixa o ritmo, realinha, organiza e equilibra a mente. Depois de um tempo, o paciente entra no seu próprio ritmo e, se seguir direitinho o tratamento – medicação e terapia –, fica mais produtivo.
Estamos falando de doença crônica, que exige tratamento para a vida toda. Ninguém pega um diagnóstico de câncer e diz: “beleza, vai passar.” Ninguém quebra uma perna e sai correndo. Quem tem diabetes toma insulina todos os dias. Com o transtorno é a mesma coisa. Tratamento medicamentoso e psicoterapia para começar – um não funciona sem o outro –, e você pode ter uma vida bem legal. Digo isso com certa autoridade.
Creio que a escolha por se tratar é individual, desde que não cause prejuízo a quem está ao redor. O que acho inconcebível é que se dê com base em crenças e romantização, disfarçando a ignorância com uma suposta superioridade intelectual.
“Não é ruim você sentir a vida com emoções profundas. Isso não é um problema. Talvez você tenha uma capacidade emocional muito baixa e pense que é uma doença.”
Essa fala é do personagem Marco, do filme Tocados pelo fogo. É lindo, assistam. Marco (Luke Kirby) e Carla (Katie Holmes) se conhecem num hospital psiquiátrico. Os dois estão lá por conta do transtorno bipolar. Eles entram num relacionamento, e a forma como se desenvolve a relação, tendo a bipolaridade como eixo, é magnífica.
LEIA TAMBÉM: Estamos aqui agora, entretenha-nos!
Você já deve ter ouvido falar nos gênios e famosos com transtornos mentais. Meus preferidos são Van Gogh e Edgar Allan Poe. Eles existem de fato. Há uma crença que diz que pessoas com transtornos mentais são muito inteligentes. Aristóteles foi quem levantou essa bola primeiro, lá na Grécia Antiga. Pois bem, estou eu aqui para desapontá-los e mostrar o contrário.
Pode até ser divertido especular sobre essas coincidências, mas o fato é que não existe nenhuma comprovação científica que ligue as duas coisas. O que existe e me irrita profundamente é uma romantização da doença mental, no sentido de minimizar suas consequências patológicas e desprezar o tratamento. Definitivamente, não é nada bom nem glamuroso viver numa montanha russa o tempo todo.
Não sei se consigo explicar e, mesmo que consiga, não sei se é possível entender. Imagine que você não consegue parar de pensar nunca. Esse pensamento é acelerado e desorganizado, você pensa na vez que esqueceu de pedir desculpas por ter pisado no pé de alguém e na origem do universo, tudo ao mesmo tempo.
Ou você está pensando no sentido da vida. De repente, você não sente mais nada. Não sente amor, nem tristeza, nem alegria, nem medo. Só desespero e dor. Você quer arrancar aquela dor e trazer seus sentimentos de volta, mas eles não vêm. Você começa a querer sair do mundo.
Como isso pode ser bonito?
Van Gogh. Foi diagnosticado com bipolaridade depois de morto. O Dia Mundial do Transtorno Bipolar é 30 de março em sua homenagem, pois é o dia de seu aniversário. Van Gogh foi brilhante! Ele não viveu o seu sucesso. Sofreu a vida toda, cortou uma orelha e morreu com um tiro desferido por ele mesmo.
Edgar Allan Poe. Estupendo! Afundou-se no álcool e tentou se matar. Escreveu uma carta contando sobre seus pensamentos suicidas. Dias antes de morrer, foi encontrado na rua em ‘delirium tremens’. Suas últimas palavras foram: “Senhor, por favor, ajude minha pobre alma.”
Se houvesse lítio em suas épocas, o que eles teriam escolhido? Nunca saberemos, mas eles teriam uma escolha.
Eles e muitos outros eram fantásticos, brilhantes, magníficos, geniais porque eram. Não precisavam de uma doença para isso. Eles sofreram muito e a doença deve ter tirado muita coisa deles.
Autoestigma
Quando um paciente assume essa postura, há uma negação em função não só da não aceitação em si, mas também pelo fato de ainda ser uma doença estigmatizada. Chamamos de autoestigmatização, quando a pessoa reflete preconceito nela mesma.
Em pacientes em mania, que é o caso de Marco, um dos sintomas é a autoestima exageradamente elevada. A pessoa também pode achar que está muito criativa e produtiva e que a medicação vai tirar isso dela. Ela tem surtos de hiperatividade, assume muitas tarefas e compromissos. Mas são só sintomas que vão passar. Depois, vem a paralisia, as tarefas e compromissos não são cumpridos e, quando isso acontece, pode ser devastador. Cedo ou tarde, vai haver sofrimento.
O preço da consciência
Outro dia, eu andava pelo centro da cidade distraída. De repente, foi como se tivesse ligado um botão e eu começasse a enxergar. Vi uma legião de mendigos e pedintes, gente deitada aos pés da indiferença de quem passava, inclusive a minha. Nada que eu não tivesse visto antes, mas, naquele momento, senti uma dor enorme. Sinto isso desde criança. Ali, desviando dos pedintes e sentindo a dor alheia, por um segundo, desejei estar anestesiada. Uma droga qualquer, álcool, qualquer coisa que escondesse a realidade.
Essa dor que sinto não é depressão: é o preço que eu pago por manter minha sanidade. É ser e estar consciente o tempo todo, consciente de mim e do mundo ao meu redor. Conseguir pensar, sentir plenamente, raciocinar e racionalizar em tempo integral. O tratamento me dá isso. Isso se aplica a todas as emoções positivas também, que são a maioria. Quanto ao resto – efeitos colaterais, um ano ou dois a menos de vida – não é nada. Pior seria estar alienada de mim mesma.
É falso dizer que a medicação tira a personalidade e a criatividade. Ela baixa o ritmo, realinha, organiza e equilibra a mente. Depois de um tempo, o paciente entra no seu próprio ritmo e, se seguir direitinho o tratamento – medicação e terapia –, fica mais produtivo.
Estamos falando de doença crônica, que exige tratamento para a vida toda. Ninguém pega um diagnóstico de câncer e diz: “beleza, vai passar.” Ninguém quebra uma perna e sai correndo. Quem tem diabetes toma insulina todos os dias. Com o transtorno é a mesma coisa. Tratamento medicamentoso e psicoterapia para começar – um não funciona sem o outro –, e você pode ter uma vida bem legal. Digo isso com certa autoridade.
Creio que a escolha por se tratar é individual, desde que não cause prejuízo a quem está ao redor. O que acho inconcebível é que se dê com base em crenças e romantização, disfarçando a ignorância com uma suposta superioridade intelectual.
Como sempre seus textos me encantam, pela consciência que você os escreve, pela forma clara e esclarecedora e por tudo o que aprendemos com eles. Mais uma vez, Parabéns!!!
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