POR LU CANDIDO ::
Estou entrando no sistema de meia em meia hora. Até que consegui controlar minha ansiedade no último mês e pouco. Não pirei, não fiquei paranoica, não falei para ninguém. Nem fiquei pesquisando no Google. Mas depois de fazer o exame, não estou aguentando esperar o resultado.
Estou entrando no sistema de meia em meia hora. Até que consegui controlar minha ansiedade no último mês e pouco. Não pirei, não fiquei paranoica, não falei para ninguém. Nem fiquei pesquisando no Google. Mas depois de fazer o exame, não estou aguentando esperar o resultado.
Já são três meses de um tratamento que eu nem sei para o que
é. Primeiro, fui ao meu otorrino porque achei que estava com algum problema na
garganta. Minha voz ficou grave e rouca de repente e logo comecei a sentir uma
dor leve. Ele fez um exame e prescreveu uma medicação para refluxo. Depois de
um mês, terminados os remédios, comecei a sentir as dores e a queimação no
esôfago. Voltei ao médico, que mandou que fosse a um gastroenterologista.
Com o gastro, comecei mais um mês de tratamento com um dos
melhores medicamentos do mercado. Menos de quarenta e oito horas depois de
acabar o remédio, as dores voltaram de um jeito insuportável. Era difícil
engolir até água. Meus ouvidos doíam. Tive de ir a um pronto socorro antes do
retorno. Enfim, deveria fazer uma endoscopia quando acabasse novamente o
remédio. Enquanto estou medicada, não sinto dor. Passei a ter crises de tosse.
Até então, eu só estava achando tudo um saco. Foi quando
comecei a emagrecer sem motivo que cogitei a hipótese de que podia ser algo
mais grave. Voltei ao meu otorrino, em quem confio bastante. Conversamos, e ele
receitou um xarope para a tosse apenas para aliviar o sintoma até o resultado
da endoscopia.
E aqui estou. Sim, há uma possibilidade de ser câncer. Mínima,
muito pequena mesmo, mas existe. Para que me serve essa informação?
Eu não quero pirar, mas, ao mesmo tempo, não quero descobrir,
daqui a dez anos, que tenho um câncer em estágio avançado que podia ter sido
curado se descoberto agora. Acho justo exigir que o médico comece a
investigação por aí. Todo mundo devia fazer isso. Não faz o menor sentido começar eliminando supostos
problemas menores. Além disso, meu plano de saúde é bem caro para não ser
usado.
Tenho todos os sintomas, o que não quer dizer muita coisa. São
sintomas de outras coisas também. Porém tenho muitos fatores de risco: ex-fumante,
medicação contínua, álcool, muita coca zero, café, chocolate, transtornos
alimentares etc. Mas também estou longe de ser o público preferido deste tipo
de câncer, masculino acima dos 50 anos.
Uma pessoa normal não estaria preocupada com isso agora. Por
que ocupar a minha cabeça com algo que não vai acontecer? Ou melhor, quase cem
por cento de chance de não acontecer. Tem milhares de coisas abertas no meu navegador,
textos, sites e coisas e até livros que não consegui ler; inúmeros arquivos com
textos não terminados; conversas pela metade. Não pode ser por tão pouco.
Isto já tinha surgido na terapia. Durante a depressão, eu
deixo de viver. Então, travo uma guerra para resgatar minha vida. E consigo, porque
gosto de viver e sei que vou sair bem do outro lado. Digo para mim mesma:
“Espera, aguenta firme só mais um pouco, vai passar.” Assim sobrevivo um dia
após o outro. Cansada, mas não desisto.
Não tenho medo de morrer. Tenho medo de não viver, é
diferente. É com isso que estou preocupada. E se estiver com câncer? Como vai
ser a minha vida? Pode haver cura, é o mais provável se estiver no início.
Mas se não houver? Aí vem a grande questão: o que fazer com
o tempo de vida consciente e independente que terei até o dia em que não houver
mais jeito, em que eu não suportar mais a agressão do tratamento? Pode ser um
mês ou um ano. Quem sabe?
Agora, aqui escrevendo essas coisas e esperando, estou com
medo de verdade. Lutei tanto para viver e não quero que nada tire de mim o
controle da minha vida.
Anos atrás, minha psicóloga perguntou o que eu faria se eu
soubesse que só tenho vinte e quatro horas de vida. Eu respondi que entraria no
primeiro voo e correria para a minha família. Na última sessão, ela fez a mesma
pergunta. A resposta foi bem diferente. Faria algo que eu sempre quis muito
fazer e não deu tempo. Algo que me emocionasse, que me fizesse sentir viva.
Parece egoísta, mas o fato é que não quero esperar o dia da
minha morte para amar as pessoas, para dizer a elas o que penso e sinto, para
encontrar um propósito, para cuidar de mim. Não quero ter motivo para querer me
agarrar à vida a todo custo.
Estou com medo, porque ainda preciso aprender a fazer muitas
coisas para viver no presente, ainda tenho propósitos a encontrar. Com ou sem
câncer ou qualquer condição. Se eu escapar dessa, o sentido é o mesmo.
Hora de dar mais uma olhada no sistema do laboratório.
*****
Antes de tudo, há uma decisão que independe do diagnóstico:
quero fazer meu testamento vital, um documento em que manifesto minha vontade
de não ter a vida prolongada de forma mecânica. Afinal, até um acidente pode me
colocar numa situação vegetativa. Essas poucas semanas de devaneios já foram
suficientes para que eu ficasse apavorada com a ideia de ser um corpo sem
vontade.
É claro que não estou com câncer como já esperava. Uma esofagite
e uma pangastrite, comorbidades da última crise. Talvez tenha sido aquele um
mês que só comi miojo e bebi coca zero todos os dias. Vai ser um tratamento um
pouco mais chato do que eu imaginava, as dores já voltaram e se somaram a uma
distensão no abdômen (senão, não seria eu).
Nada disso era sobre o câncer. Minha psicóloga sempre diz
que pensar na morte é pensar na vida. Acho que foi o exercício que acabei fazendo.
É sobre o tempo também, pois, como disse o capitão Picard,
em Star Trek Generations: “O tempo é um
companheiro que viaja conosco lembrando-nos que devemos apreciar cada momento,
porque eles nunca voltam. O que deixamos para trás não é tão importante quanto
a forma como vivemos. Afinal, somos apenas mortais.”
BÔNUS
No último fim de semana, descobri uma série de 2018, “Life sentence”, em que a protagonista é
diagnosticada com câncer terminal e depois descobre que havia sido engano. Ela,
então, precisa lidar com as decisões que tomou enquanto estava virtualmente com
câncer. Ainda não assisti, por isso não recomendo nem desrecomendo. É com a Lucy
Hale (de “Pretty Little Liars”) e
está disponível no Superflix.
Também tem a série britânica “Sick Note”, de 2017, que vai numa pegada parecida. Daniel Glass
(Rupert Grint, o Ron de “Harry Potter”)
é um cara meio fracassado que é diagnosticado com câncer e em seguida descobre
que foi um erro médico. Ao começar a receber a atenção de todos e a obter
vantagens com a suposta doença, ele decide manter a farsa, o que o leva a se
meter em várias confusões. Essa eu recomendo. É muito engraçada e leva o dilema
moral às últimas consequências. Está disponível na Netflix.
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