
Lembrei-me de um filme que assisti há muitos anos, numa sala de cinema alternativa de Porto Alegre, matando tempo entre uma aula e outra da faculdade. Mesmo procurando, fiquei surpresa ao encontrá-lo no YouTube. “Uma Relação Pornográfica” (“Une Liaison Pornographique” – Bélgica/França, 1999) é um filme independente, de baixo orçamento, do diretor belga Frédéric Fonteyne.
[Alerta de spoiler: Vou contar o fim do filme, senão minha reflexão perde o sentido. Então, assista antes para não querer me matar depois. São oitenta minutos muito bem investidos.]
Uma mulher publica um anúncio para realizar uma fantasia sexual que nenhum homem jamais aceitou realizar. Quando alguém responde, eles passam a se encontrar num hotelzinho uma vez por semana. No começo, o objetivo é estritamente sexual. A despeito disso e do nome do filme, você não verá muitas cenas de sexo.
Trata-se de um filme simples na forma e com um conteúdo complexo, embora pareça singelo. Temos dois protagonistas, outras três personagens muito secundárias e alguns figurantes. O casal não tem nome. As personagens de Nathalie Baye e Sergi López são chamadas de Ela e Ele nos créditos.
Também não são fornecidos detalhes da vida deles, como profissão, família, relacionamentos passados. Assim, a atenção é voltada exclusivamente àquele relacionamento. A narrativa se desenvolve com ambos contando a história, em separado, a um entrevistador que não aparece. Cada um conta sua versão, e há diferenças entre elas, tanto sobre os fatos quanto sobre as percepções.
O mais admirável desse filme está no que não se pode ver. Com certa sensibilidade – e atenção, é claro – o espectador percebe cada etapa da transformação no relacionamento. Isso não se dá no texto propriamente dito, mas nos gestos, nas expressões faciais e corporais, no tom de voz, na escolha de palavras e também no ato sexual.
Com o passar do tempo, outras conexões surgem entre eles até que se veem apaixonados. [É aqui que eu começo a estragar o filme para quem não viu.] Eles então se encontram decididos a embarcar num relacionamento sério. Cada um à sua maneira acredita-se pronto para dizer ao outro o que sente e o que deseja. Estão frente a frente no mesmo café em que se encontram todas as semanas.

Ela vai de um meio sorriso nervoso de expectativa a uma expressão triste de frustração que quase dá para sentir junto. Agora é sua voz que conta ao entrevistador: “Eu tinha decidido ficar com ele. Tinha até decidido lutar até o fim se dissesse que não. E aí, quando ele disse que entre nós não daria certo, logo pareceu óbvio que ele tinha razão... Adivinhava cada pensamento dele, lia cada movimento do seu rosto, e pude ver que ele queria terminar. Então eu também quis.”
Este filme está fazendo vinte anos e esta cena não para de acontecer. Parece que quanto mais desenvolvemos meios, menos conseguimos resolver um dos problemas mais elementares dos relacionamentos. O que é o fracasso da maioria dos relacionamentos senão a falha na comunicação?
No caso do filme, o momento da falha é muito nítido. Numa leitura de sinais completamente equivocada, ele toma uma decisão de forma unilateral. Na verdade, ele se dá o direito de agir pelos dois, de agir em nome dela. A julga incapaz de agir por si. Ela, por outro lado, apesar de estar decidida não vai às últimas consequências como tinha planejado.
Aqui é importante fazer uma observação. Por mais tentador que seja jogar a culpa toda nele, é preciso observar o comportamento dela ao longo da relação. Ela tinha uma parede erguida diante de si. Agia de forma defensiva e fria. Resistia a sair dos limites do acordo sexual, mesmo que fosse apenas para aceitar uma carona.
O fato é que deixaram de viver uma história que ambos queriam, mas não foram capazes de comunicar. No único momento em que o entrevistador se manifesta, pergunta a ele se não teria se enganado. Ele diz que não, que se houvesse um engano, com certeza teria acontecido algo depois. O fato de não ter acontecido nada, provava que ele estava certo.
Moral da história: estava tudo errado.
Comunicação, aqui, é mais que simplesmente falar. É falar sendo honesto. É perguntar em vez de interpretar. É aprender a ler os sinais, mas não ser arrogante e saber que também falhamos. É deixar que o outro pense por si, não colocar pensamentos em sua mente nem palavras em sua boca. É não tomar atitudes por dois. É falar sem esperar resposta.
Tenho uma teoria. Talvez o protagonista do filme seja o entrevistador. Ele é o espectador voyeur que passa de mero observador a parte da história. O espectador que se identifica, segue o fio lógico do relacionamento, torce e se frustra quando tudo dá errado e vê que nada pode ser feito para consertar, pois as certezas já foram cristalizadas. Esse agora ex-voyeur se revolta porque nosso casal errou o óbvio. Quer interferir, mas não pode. Então percebe que aquela poderia ser a sua história.
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