
POR LU CANDIDO ::
Recentemente, fui levada a recordar uma situação pela qual passei há cerca de um ano e meio. Até então, pensava que era algo resolvido e sem maiores consequências. Porém o fato de este episódio ter surgido em determinado contexto me disse o contrário.
Talvez um dia eu consiga contar esta história. Por ora, vou limitar-me ao que é relevante para entender o caso. Era final da Copa Libertadores da América de 2017. Meu time seria tricampeão dois dias depois do meu aniversário. Eu não podia querer presente melhor.
Fui assistir ao jogo num bar com outros torcedores. O que eu não imaginava é que não teria a chance de comemorar. Meu pesadelo começou ainda no bar, quando o jogo estava quase acabando. As pessoas já se abraçavam, gritavam, choravam, soltavam fogos. Enquanto isso, eu pegava minhas coisas para ir embora. Uma série de ações inesperadas, no entanto, fez com que eu ficasse nas mãos de uma pessoa em surto psicótico extremamente agressiva.
Senti medo, pavor. Cada palavra e cada movimento meus eram calculados. De algum modo, consegui administrar a situação usando psicologia até conseguir sair do imbróglio ao amanhecer. Isso bastou para que a versão que contei até hoje e na qual acreditava fosse bem menos horrível e bem diferente da realidade. Na minha versão, eu quase não existia.
O ano virou, e 2018 foi estranho. Tive mais oscilações de humor que o normal. Apesar disso, negava a possibilidade de crise, afinal não tinha uma há cinco anos. Isso atrapalhou – e muito – o trabalho de prevenção que minha terapeuta e eu fazemos tão bem. Ao não ver possibilidade de crise, não havia o que prevenir, não havia o que tratar.
Resolvia meus problemas caso a caso e ia levando. E eu realmente resolvia, mas o custo emocional e a energia que eu gastava eram altos demais. No meio do ano, tive uma amnésia global transitória que nenhum médico explicou até hoje.
Não aceitava apoio. Afastei minha irmã todas as vezes que tentou se aproximar para me ajudar. Quando esse assunto veio à tona nos últimos dias, percebi o quanto perdi a capacidade de confiar. De forma inconsciente, acabo agindo como se todos que se aproximam de mim quisessem me ferir.
Parei de acompanhar o meu time. Tive o pior aniversário da minha vida. Pela primeira vez, não quis comemorar. Cada parabéns que recebi doeu muito.
Houve coisas boas também. Em setembro, lancei o blog. No fim do ano, resolvi fazer uma viagem sozinha. Foi maravilhosa, e tive uma trégua. Não posso desvalorizar ou ignorar o fato de, apesar de tudo, ter mantido o controle por tanto tempo. Nem todo mundo conseguiria, mesmo pessoas “normais” (na falta de um termo melhor).
Mas, depois do carnaval, a crise conseguiu enfim ser mais forte que eu.
Uma amiga que acompanhou a história me disse certa vez que eu havia mudado depois do episódio e que havia influenciado meu humor. Tergiversei e neguei. Hoje, vendo minha crise sumindo no retrovisor, dou razão a ela.
Tratei o assunto como mais uma história medonha que podia ter acontecido com qualquer um. Entrei num processo de negação quanto ao impacto que isso tinha causado em mim. Quando pensava, continuava afirmando que tinha resolvido bem, mas alguma coisa não fechava. Sentia uma culpa e uma vergonha enormes. Ainda hoje tento me perdoar por não ter percebido antes, por não ter pedido ajuda, por não ter encontrado um jeito de abortar a situação.
Não estou dizendo que foi o que detonou a crise: não foi o gatilho. Foi um reforçador importante. O que eu vejo com clareza é que, ao varrer esse trauma para debaixo do tapete, passei a gastar energia demais, porque precisava ser e parecer forte para compensar a culpa e a debilidade que sentia por ter me permitido sofrer aquilo.
Fui cruel comigo, não dei nome às coisas, amenizei o que não pode ser amenizado. Minha vida esteve em risco, fui ameaçada, sofri terror psicológico – nada menos que isso foi o que aconteceu. Era eu quem estava no centro do episódio. Olhar para isso dessa forma indica que talvez eu possa me perdoar.
Daqui a menos de uma hora, meu time vai entrar em campo e disputar uma vaga nas quartas de final da Libertadores. É o primeiro jogo que vou assistir em muito tempo. Vai ser fantástico se ele for tetracampeão e, de quebra, vou poder apagar aquela imagem horrível. Ainda me vejo lá, prostrada no meio dos torcedores que faziam festa.
Quanto ao meu aniversário, tenho ainda alguns meses. Antes, tenho um trabalhão pela frente: me perdoar, aprender a confiar, aceitar apoio, não ser superficial, não negar os problemas, entender que não preciso ser forte nem dar conta de tudo.
O motivo que me fez estar pensando neste episódio agora, quando já parecia ter esquecido, foi bem sutil. Todos esses pensamentos nasceram de uma brincadeira. Talvez eu não estivesse pronta para pensar nisso antes. Talvez eu precisasse ser lembrada que tinha contas a acertar comigo. Não sei. De qualquer forma, essa história está assumindo seu verdadeiro lugar a partir de agora.
Atualização: O Grêmio ganhou o jogo contra o Libertad, do Paraguai, por 3 a 0 (5 a 0 no placar agregado). É o clube brasileiro com mais participações nas quartas de final da Libertadores.
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