POR LU CANDIDO ::
Estamos diante de uma crise de proporções inimagináveis sob vários aspectos – sanitário, político, econômico e social. No meio do caos, temos a difícil tarefa de lutar contra um vírus. Uma coisa que tem massa e volume.
Estamos diante de uma crise de proporções inimagináveis sob vários aspectos – sanitário, político, econômico e social. No meio do caos, temos a difícil tarefa de lutar contra um vírus. Uma coisa que tem massa e volume.
Cada partícula viral completa (vírion) mede cerca de 50-200 nanômetros de diâmetro, e sua massa deve ser de pouco mais de 10-20kg. O que se quer evitar é que esse pequeno corpo entre em contato físico com nosso corpo por meio de saliva. Logo, as ações para evitar o contágio envolvem distanciamento físico e proteção que pode ser feita com máscara de um tecido que bloqueie a passagem das minúsculas gotículas de saliva.
Agora consideremos que as pessoas não moram sozinhas. De acordo com o último Censo do IBGE, realizado em 2010, a densidade domiciliar no Brasil é de 3,3. Isso significa que, em média, há 3,3 moradores por residência, o que me leva a dizer com quase absoluta certeza que essas pessoas interagem. Esse número é 13,2% menor que o Censo anterior, de 2000. Isso não é porque as pessoas de repente resolveram morar sozinhas. Até porque isso custa caro, e a renda dos indivíduos diminuiu. Foi devido à redução da fecundidade. Sobrou, então, uma pequena parcela de pessoas que moram sozinhas.
Digamos que houvesse muita gente morando sozinha. Seria possível se isolar socialmente no mundo atual? Creio que não, exceto por uma ação voluntária ou motivo de força maior.
No Brasil, o número de smartphones ativos ultrapassou um por habitante: são mais de 220 milhões de aparelhos. O país é o quinto no ranking mundial em uso diário de celulares. Em mais de 180 países, mais de 2 bilhões de pessoas usam WhatsApp. É possível se comunicar com pessoas do mundo inteiro por um custo baixíssimo. Sem falar no grupo com a mãe, grupo com o pai, grupo com as amigas, grupo do trabalho, grupo do grupo. Ainda conversamos com pessoas individualmente e fazemos chamadas de voz e de vídeo sem gastar um centavo a mais.
Também temos todas as redes sociais. Quando você curte uma foto, comenta um post, assiste a uma live, tudo isso é interação social. Assistir TV, escutar rádio, ter contato com o que está acontecendo na sociedade também é vida social.
E se não houvesse todos esses recursos tecnológicos? As relações sociais são um pouco mais profundas...
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E se não houvesse todos esses recursos tecnológicos? As relações sociais são um pouco mais profundas...
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O ser humano é um ser social. Você já deve ter ouvido essa frase mais de uma vez. O que ela significa? Vejamos.
Há mais de 2.300 anos, o filósofo grego Aristóteles dizia que “aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto”. Para ele, o todo existe sempre antes da parte. Assim, o indivíduo só existe como parte de uma forma de organização e não pode bastar-se a si mesmo.
O filósofo revolucionário alemão Karl Marx, tão injustamente demonizado ultimamente, concebia o “mundo sensível como a ‘atividade’ sensível, viva e conjunta dos indivíduos que o constituem”. Ele dizia que a própria existência é uma atividade social e que o que fazemos, fazemos para uma sociedade.
A primeira condição para que existamos é a nossa própria vida, e precisamos de coisas materiais para mantê-la de forma adequada. Daí surge a necessidade de produzir coisas: comida, bebida, vestimenta, remédios, coisas para produzir outras coisas etc. Essa produção é social, pois pressupõe a associação entre indivíduos.
O ser humano também precisa produzir outros seres humanos. Para isso, tem de se associar a outro ser humano. Daí surgem as famílias e, das famílias, as outras formas de organização mais complexas.
Não importa a forma, o ser humano apropria-se e modifica a natureza e produz em colaboração desde os primórdios. Mesmo que eu me isole e passe a produzir os meios para a minha sobrevivência de modo particular, ainda assim estarei fazendo-o em/para uma sociedade.
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Até aqui, abordei os aspectos materiais das relações humanas, pois são necessários para entender todo o resto. Contudo, existe todo um mundo mental, uma engrenagem psíquica, que não está desvinculado dessas relações e é muito complexo.
Na sociedade capitalista atual e no meio da crise que estamos vivendo, só a ideia de se isolar já provoca efeitos negativos. Palavras e expressões se espalham de forma muito rápida e viram bordões que repetimos sem pensar no que significam (isolamento social, novo normal, distanciamento social etc.). Nosso cérebro as absorve e associa a outros elementos da memória.
Nosso instinto consciente nos impele a lutar para sobreviver e, para isso, associar-nos a outras pessoas. Lutar para sobreviver é lutar contra a morte. Essa é uma frase óbvia. “Não sobreviver” e “morte” significam a mesma coisa. Porém a segunda expressão causa pavor na maioria das pessoas.
Quando isso está colocado no contexto de uma pandemia ou de grandes catástrofes, significa lutar pela vida das pessoas que amamos. Também significa colocar-se diante da possibilidade de desaparecimento de toda a espécie, mesmo quando isso não se manifesta de forma consciente e direta.
A ideia de isolamento social pinta um quadro imaginário que pode desorganizar e paralisar inclusive a luta pela sobrevivência. A solidão assusta logo no primeiro momento, abrindo as portas para o resto. A expressão “isolamento social” traz uma carga pesada desnecessária.
Seria mais apropriado dizer que é necessário um isolamento físico, um confinamento. (Não gosto de estrangeirismos, mas devo admitir que acho melhor usar lockdown em vez de confinamento.) A partir disso, é preciso incentivar o convívio social em novas formas. Tenho ouvido relatos de pessoas que já começam a interagir mais com amigos e familiares do que antes da pandemia, outras que retomaram contato com amigos antigos. Percebo que houve um encurtamento de distância entre essas pessoas.
Não há dúvidas de que as relações sociais vão mudar. Já estão mudando. No mundo do trabalho, as mudanças estão sendo negativas e devastadoras. No mundo psicoemocional, ainda temos de descobrir o que vamos fazer com isso. O certo é que temos de sobreviver e estar sãos – até para lutar para sobreviver.
REFERÊNCIAS:
A Política (Aristóteles)
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