sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

POR LU CANDIDO :: Desde criança tento uma carreira de escritora, mas a doença me afastou deste caminho por muito tempo. Até que, assistindo a um evento on-line no ano passado, consegui me enxergar de novo naquele lugar que havia abandonado. Foi como voltar pra casa depois da guerra.

Acreditei genuinamente. Quero ser lida. Que escritor não quer? Como boa bipolar que sou, me agarrei àquele momento com intensidade. E foi cruel.

Austin Kleon, autor do livro “Roube como um artista” (título muito bem roubado de Pablo Picasso, “bons artistas copiam, grandes artistas roubam”), defende a teoria do “fingir até ser”. É uma boa teoria, porque no fundo você não está totalmente fingindo. Você está sendo aquilo que você sabe que tem potencial para ser. Porém isso não funciona comigo. Tenho uma coisa chamada síndrome da impostora, que faz eu me sentir uma fraude.

Por isso resolvi investir em marketing pessoal. Achei que podia melhorar minha autoconfiança, ficar segura para divulgar meu trabalho. Funcionou no começo. Até eu entender que teria de escolher entre escrever ou divulgar meu livro que ainda nem estava pronto. Eu não fazia ideia do que significa construir uma carreira literária.

Se você não tem um agente, e até para conseguir um, tudo gira em torno das redes sociais, principalmente do Instagram. O objetivo final é conversar com o seu público, mas para atingir esse objetivo, só existe uma forma: correr atrás do algoritmo. Vídeos – Reels e TikTok – são os top-eficiência (nos estandes das grandes editoras na Bienal Internacional do Livro de São Paulo havia seções de livros chamadas “Queridinhos do TikTok”).

Faça carrossel, CTA (call to action, porque é preciso enlouquecer em inglês também), caixinha de perguntas, enquete, péra, não faça mais carrossel, o algoritmo mudou, não use hashtags, poste em tal horário, não importa mais o horário, mas poste todo dia e interaja com o público obrigatoriamente. Agora é o tal do alcance oculto. Me pareceu mais gentil, mas a essa altura não sei se quero saber do que se trata.

Aparece uma gente que você nunca viu dando ordens, oferecendo cursos, prometendo resultados. Só que eles não podem garantir o que prometem. O algoritmo muda rápido demais. Por exemplo, tem uma mina que há meses está gritando pra não usar hashtags – e agora ela começou a dizer que as hashtags prejudicam. Porém cerca de metade das pessoas encontra as postagens do QSPMSP pelas hashtags, e uma celebridade internacional curtiu um post meu pessoal outro dia fisgada por uma hashtag. Não sei de onde essa gente tira essas taxações.

E você fica mal por não obter resultados. Se eles conseguem (conseguem?), por que eu não? Sabe o que é pior? Nessa corrida atrás do próprio rabo, não consigo saber se sou boa, porque nem sequer tenho a chance de ser julgada. Isso é muito cruel. E eu estou muito cansada.

Me deparei com um mundo no qual o meu texto pouco importa se eu não virar escrava das redes sociais. Na Bienal, ouvi um editor de uma editora tradicional dizer que utiliza o Instagram como um dos critérios na hora de aprovar um autor. Está certo ele, seu papel é vender.

Não aguento mais essa conversa de “quem quer de verdade arruma tempo”, “dá um jeito”. Não, não arruma! É física: um dia tem vinte e quatro horas. Quem trabalha de oito a dez horas por dia, seis dias por semana, precisa dormir oito horas, fazer as tarefas domésticas, comer, tomar banho... onde essa pessoa vai arrumar tempo? Essa é a minha vida.

E mais: não sou uma pessoa normal (e a sociedade tem que aprender a lidar com pessoas como eu). Tenho uma doença mental crônica cuja prevenção de crises inclui limitar o uso das redes sociais. Em algumas situações, preciso parar de usar por um tempo. É um problema objetivo. Faço isso com orientação da minha médica e da minha psicóloga.

Sei que não sou a única e que muitas pessoas estão adoecendo sem saber e sem nenhum suporte médico. É como chegar para uma pessoa com a perna quebrada e dizer: “Vamos, corra! Por que você está parado?! Vai deixar aquele sujeito com as pernas sãs te ganhar? Depois não ponha a culpa nos outros!

O que pessoas como eu, como nós, podem fazer para ter uma carreira literária visível? Sejamos honestos: não existe alternativa, a não ser que você tenha dinheiro, banque suas publicações e banque uma agência para fazer o seu marketing. Esse não é o caso de mais de 90% dos escritores deste país.


Vamos parar com a hipocrisia e dizer a verdade: não há oportunidades iguais para todos. “Ah, mas fulano passou por não sei o que lá e conseguiu.” Sim, o fulano é a exceção que confirma a regra. Esses discursos massacrantes de coachs, agora com outros nomes, se baseiam em exceções e só servem para sobrecarregar o indivíduo de culpa, depressão e ansiedade.

Então não me digam que não quero, que não estou me esforçando, que não estou dando um jeito. Eu quero essa merda desde criança. Quero ser lida. Quero ser best seller. E querer é muito diferente de poder. Eu sou parte dos que não podem.

Já vivi mais do que o tempo que tenho de vida pela frente. Não vou desperdiçar meu tempo criativo. Não vou fazer vídeo dançando nem me balançando apontando o dedo pra edição. Vejo tanta gente boa arriscando a credibilidade por isso – entendo, mas fico triste quando penso no que isso significa. Mas não faço isso principalmente porque não sou eu, é falso. Quero ser conhecida pelo que sou (e sou até engraçada).

Tampouco tenho condições físicas de postar todo dia e posso demorar um pouco para interagir. Isso vai baixar demais meu alcance e possivelmente o Instagram vai me jogar na zona oculta. Paciência, vou ter que arcar com as consequências.

Com este texto, enterro minha natimorta carreira literária – de autora reconhecida, de potencial best seller. Não vai mudar muita coisa, nunca consegui me adaptar.

Quer dizer que vou parar de escrever? Não. A escrita me mantém viva desde que me lembro de pegar um lápis na mão. Mesmo dos momentos de reclusão, descobri uma produção enorme que estava esquecida em cadernos e blocos e papéis avulsos. Uma mente doente às vezes surpreende.

Só não vou fazer isso à custa da minha vida e da minha saúde mental. A quem quiser me ler, tenho algumas ideias e aceito sugestões e opiniões.

Recentemente tive dois contos escolhidos para fazer parte de duas antologias da Lura Editorial – “Querido V.”, no livro Mensagem para você, e “A avó morta”, no livro de terror A última partida. Quero continuar participando desses concursos com contos inéditos.

Por falar em contos, tenho uma boa quantidade de coisas prontas. Estou pensando em selecionar alguns para publicar no Wattpad. Inclusive o livro de crônicas que pretendia publicar vai parar lá. O que sobrar, vai para o meu site, que vai ficar pronto qualquer hora. Eu mesma estou fazendo, então está devagar.

Às vezes também gosto de escrever coisas aleatórias, como os “Minicontos Paulistanos”, uma seriezinha que comecei no Instagram e pretendo continuar.

Tenho um livro que está andando, com um tema ótimo e uma história muito boa. Posso publicar na Amazon ou na Uiclap (me inclino mais para a segunda).

E, é óbvio, tem o QSPMSP, que vou poder alimentar com mais frequência, uma vez me livrando das amarras das redes sociais.

Por fim, não poderia deixar de dizer: não sou dessas pessoas que falam mal das redes sociais nas redes sociais. Sou uma entusiasta das redes sociais. Sempre fui uma das primeiras a criar uma conta quando uma plataforma surgia. Tive conta no Orkut quando ainda precisava de convite, no Ymessenger, no Fotolog e no MySpace. Participei e incentivei a criação de todas as redes do PSTU quando estava na equipe de comunicação do partido. O problema não é o meio. Se não fosse o sistema bizarro no qual a gente vive – capitalismo que se chama – as redes sociais poderiam cumprir uma função incrível de integração global e distribuição de informação. O que se tem hoje é uma lógica de roubo de dados para fins de negócios/lucros e controle político. E isso adoece.

* * *

ALGUMAS OBSERVAÇÕES:

1) Enquanto eu terminava este texto, uma nova movimentação começava a acontecer: a migração definitiva para fora do Instagram, para o TikTok. Será o fim do Instagram? Já tem coach dizendo que sim.

2) Como comunicadora social, arrisco dizer que toda essa situação é insustentável e uma hora ou outra deve haver um retorno, ainda que parcial, à hierarquia pela produção de conteúdo (conteúdo primário). Às pessoas vão cansar, não vão dar conta, mas ainda precisarão das redes sociais.

3) Ainda no campo da comunicação social, influencers vão continuar existindo, mas serão cada vez mais etéreos. Já começamos a ver uma rotatividade grande no setor. Aliás, essa é uma categoria que, analisada de forma racional e científica, me parece uma anomalia no ecossistema da comunicação.


:: Me sigam (se quiserem): @candido.lu



Um comentário:

  1. Texto lindo @
    Perfeito!
    Um desabafo necessário, quando vivemos, como dizia Baumann, um.tempo em.que tudo é líquido, se desfaz de um momento para outro.
    Influencers e sub-celebridades, surgem e desaparecem de um dia para o outro.
    Redes sociais são úteis e necessárias, mas temos que ter a percepção de que somos muito mais, estamos muito além.
    Então, filha,continue com seu sonho.
    Você é ótima!
    É, lembre-se, os maiores autores conhecidos, tiveram suas obras feitas num tempo em que bem se imaginava as tais "redes sociais".
    Vá no seu tempo!
    Eu te amo, minha escritora favorita!

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