POR LU CANDIDO ::
Uma das coisas mais cruéis do transtorno bipolar é que você não pode ser normal nunca. Bipolares entenderão. Por mais que avance o debate sobre saúde mental, a sociedade ainda não aceita que sejamos doentes.
Quando você é bipolar e não se trata... bom, não
preciso dizer muito. Crise, instabilidade, surto, e você vive no inferno.
Quando se trata e tem a doença sob controle, quando tem consciência do que acontece no seu corpo e no seu cérebro, você se estabiliza, não tem mais crises e reduz os sintomas de forma considerável. Contudo, não deixa de ser humano. Continua tendo sentimentos normais a qualquer humano normal. Mas não tem permissão para tê-los.
É uma proibição velada, hipócrita e cínica.
Um dia você acorda de mau humor (no sentido mundano da palavra). Você começa a resmungar e amaldiçoar aquilo que o está afligindo e, de repente, click. Você lembra que se demonstrar esse seu estado alguém poderá dizer que é o TAB[1] (“olha, já mudou de humor de novo!”).
Quando fico brava ou irritada, penso mil vezes antes de reclamar ou brigar (“ó a louca bipolar!”). E quando fico triste, logo se pensa que é uma crise depressiva. Enquanto isso, os sintomas reais do TAB passam desapercebidos, porque é difícil quebrar um estereótipo. Um estigma.
Então você aprende a esconder. Ou a tentar pelo menos. E escolhe os momentos em que vai se permitir estar instável, louca ou deprimida aos olhos alheios sem de fato estar. Escolhe com quem e quando se abrir e se fecha na maior parte do tempo.
Aqui não estou nem entrando na questão do trabalho e dos estudos especificamente. Isso é um texto à parte. Tenta levantar da cama sem força nem para escovar os dentes e mesmo assim passar oito ou mais horas trabalhando ou estudando para não perder o emprego ou não ser reprovado. Não existem estruturas que nos acolham de forma adequada.
Enfim.
Assim, tentando ser mais normal que o normal, não consigo ser normal nunca. Isso cansa, cansa muito. Tenho que provar o tempo todo que não sou o TAB: eu tenho TAB, uma doença como outra qualquer.
“Ah, você não devia se importar com a opinião dos outros”, dizem algumas pessoas. (Por favor, parem de invalidar nossos sentimentos.) Para todas as outras coisas da minha vida, não me importo. Mas, quanto ao TAB, isso me abala sim. Estou falando de preconceito.
Mesmo depois de todos esses anos de ativismo pela saúde mental, apesar de não esconder minha doença, isso não significa que eu não seja afetada e não sofra. Pode parecer contraditório, mas é inclusive por isso que preciso me blindar.
Não é só uma questão emocional. Afeta minhas relações sociais de troca, interfere no meu trabalho, nos meus relacionamentos. Minha capacidade e minha credibilidade são colocadas em xeque. A verdade é que a sociedade exige o tempo todo que você seja normal, seja lá o que isso signifique, que aja como as pessoas sem transtorno.
Às vezes eu só queria que minha respiração fosse um impulso, involuntário e automático.
Se um dia qualquer
Ter lucidez for o mesmo que andar
E não notares que andas
O tempo inteiro
É sinal que valeu!
Vitor Ramil
Ter lucidez for o mesmo que andar
E não notares que andas
O tempo inteiro
É sinal que valeu!
Vitor Ramil
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