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(Desenho: Agustina Guerrero) |
Dias atrás, li uma frase que muito me representou:
“Algumas coisas só saem da gente por escrito.” Sou o tipo de pessoa que não
consegue organizar os pensamentos rapidamente, que fala muito e atropela as
palavras. Encontrei na escrita uma aliada para fazer uma leitura de mim mesma e
externá-la um pouquinho (mesmo que quase ninguém leia). Há mais ou menos dois
anos, por sugestão de uma amiga (casualmente a dona deste blog), faço cartas
com o que gostaria de dizer para algumas pessoas.
Nunca as entreguei, mas consegui, de alguma forma,
extrair e organizar o que sentia. Hoje resolvi escrever para uma velha
conhecida minha (e de mais ou menos 18,6 milhões de brasileiros):
a ansiedade.
Nós convivemos há bastante tempo, mas em 2015 ela me
paralisou, pediu atenção e fez eu entender que precisava aceitá-la. Portanto:
“Prezada ansiedade,
Finalmente consigo conversar com você.
São tantos anos de convivência que já aprendemos a nos
entender. Durante muito tempo, você me ajudou a construir uma imagem de
profissional competente. Lembra quando passávamos nossas horas em grandes
agências de publicidade e veículos de comunicação, antecipando todas as
possibilidades de erros futuros, elaborando cronogramas quase perfeitos e dando
ouvido a todas as ameaças psicológicas de colegas e gestores?
Lembra que quase sempre dava tudo certo, mas eu tinha que
passar os finais de semana dormindo para recuperar (nem sempre conseguia) toda
a energia gasta com medos irreais? Assim foi durante um bom tempo, até o dia em
que meu corpo não respondia aos meus comandos. Era tanto medo de que algo ruim
acontecesse que minha cabeça, sempre a mil, me dizia para sair da cama e ir
trabalhar, mas não consegui. Naquele dia, você me venceu, percebi você e sua
voz irritante me dizendo que não ia dar certo. Lembro que, dias antes, eu
olhava para a bagunça da casa, a louça na pia e, mesmo me sentindo culpada, não
agia (não conseguia), piorando tudo a minha volta.
Nosso processo não foi (é) fácil, né? Você sempre fez com
que eu me sentisse culpada, envergonhada e vulnerável. Logo eu, sempre tão
“forte”. Tive que aceitar a situação, enfrentando meu preconceito e o de quem
me cercava. Entre o diagnóstico, acompanhamento, afastamento do trabalho e
tratamento foram muitas as frases no estilo: “Você tem tudo”; “Levanta, chega
disso agora”; “Nossa, você é sensível”.
Por mais que, naquele período isso não tenha ajudado (na
verdade, foi horrível), hoje consigo entender que se trata de bagagem e
conhecimento de cada um (mas, caro leitor, por favor, não faça isso com
ninguém). Me dei conta que eu precisava encará-la até sair daquele contexto.
Consegui, apesar de você ainda guiar muitas das minhas atitudes, já não me
paralisa.
Quatro anos depois (com novas alegrias e momentos
difíceis), sinto que temos uma convivência quase amigável e te agradeço por
algumas coisas:
– Você me fez conhecer a meditação e o yoga.
– Ando de mão dadas com a vulnerabilidade, e estranhamente
isso me deixa mais forte.
– Estou sempre em busca de autoconhecimento. Sabemos que
isso é para quem tem coragem.
– Sou humana, pedir ajuda não é um problema.
Apesar dessas pequenas conquistas, ainda sei que tenho
muito a aprender para que você não me faça sofrer com tanta propriedade. É
tanto like, tanto filtro, tanto imediatismo, tanta visualização sem realmente
ver. Estou sempre conectada, mas me conecto com poucos e, conviver com alguém
que tem você como sombra não é fácil. Sei que, de vez em quando, ainda:
– Vou evitar conhecer pessoas com medo de que elas me
magoem.
– Vou cancelar, na última hora, aquele compromisso que
confirmei.
– Vou continuar com meus cronogramas (menos perfeitos, é
claro).
– Vou me culpar por aquilo que não tenho controle.
– Vou imaginar o pior cenário, com fatos que moram
somente dentro da minha cabeça.
– Vou sentir meu coração acelerar ao imaginar o futuro.
– Vou me isolar, não por querer, mas por necessidade.
– Vou continuar pedindo ajuda.
Sei que estamos todos tentando acertar nesse mundão louco
e eu tenho sua companhia. Ela traz insegurança. Mas também traz força, já não
me assusta. Qualquer hora tiro você para uma dança. ”
Michele Rocha é amante das filosofias de bar e das boas
histórias. Publicitária de segunda a sexta, curiosa e confusa todos os dias do
ano. Sigam ela no Insta: @mirock01
Foco no Importante!
ResponderExcluirO mundo é sortido.
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