segunda-feira, 23 de setembro de 2019


(Desenho: Agustina Guerrero)
POR MICHELE ROCHA :: 
Dias atrás, li uma frase que muito me representou: “Algumas coisas só saem da gente por escrito.” Sou o tipo de pessoa que não consegue organizar os pensamentos rapidamente, que fala muito e atropela as palavras. Encontrei na escrita uma aliada para fazer uma leitura de mim mesma e externá-la um pouquinho (mesmo que quase ninguém leia). Há mais ou menos dois anos, por sugestão de uma amiga (casualmente a dona deste blog), faço cartas com o que gostaria de dizer para algumas pessoas.


Nunca as entreguei, mas consegui, de alguma forma, extrair e organizar o que sentia. Hoje resolvi escrever para uma velha conhecida minha (e de mais ou menos 18,6 milhões de brasileiros):
a ansiedade.

Nós convivemos há bastante tempo, mas em 2015 ela me paralisou, pediu atenção e fez eu entender que precisava aceitá-la. Portanto:


Prezada ansiedade,

Finalmente consigo conversar com você.

São tantos anos de convivência que já aprendemos a nos entender. Durante muito tempo, você me ajudou a construir uma imagem de profissional competente. Lembra quando passávamos nossas horas em grandes agências de publicidade e veículos de comunicação, antecipando todas as possibilidades de erros futuros, elaborando cronogramas quase perfeitos e dando ouvido a todas as ameaças psicológicas de colegas e gestores?

Lembra que quase sempre dava tudo certo, mas eu tinha que passar os finais de semana dormindo para recuperar (nem sempre conseguia) toda a energia gasta com medos irreais? Assim foi durante um bom tempo, até o dia em que meu corpo não respondia aos meus comandos. Era tanto medo de que algo ruim acontecesse que minha cabeça, sempre a mil, me dizia para sair da cama e ir trabalhar, mas não consegui. Naquele dia, você me venceu, percebi você e sua voz irritante me dizendo que não ia dar certo. Lembro que, dias antes, eu olhava para a bagunça da casa, a louça na pia e, mesmo me sentindo culpada, não agia (não conseguia), piorando tudo a minha volta.

Nosso processo não foi (é) fácil, né? Você sempre fez com que eu me sentisse culpada, envergonhada e vulnerável. Logo eu, sempre tão “forte”. Tive que aceitar a situação, enfrentando meu preconceito e o de quem me cercava. Entre o diagnóstico, acompanhamento, afastamento do trabalho e tratamento foram muitas as frases no estilo: “Você tem tudo”; “Levanta, chega disso agora”; “Nossa, você é sensível”.

Por mais que, naquele período isso não tenha ajudado (na verdade, foi horrível), hoje consigo entender que se trata de bagagem e conhecimento de cada um (mas, caro leitor, por favor, não faça isso com ninguém). Me dei conta que eu precisava encará-la até sair daquele contexto. Consegui, apesar de você ainda guiar muitas das minhas atitudes, já não me paralisa.

Quatro anos depois (com novas alegrias e momentos difíceis), sinto que temos uma convivência quase amigável e te agradeço por algumas coisas:

– Você me fez conhecer a meditação e o yoga.

– Ando de mão dadas com a vulnerabilidade, e estranhamente isso me deixa mais forte.

– Estou sempre em busca de autoconhecimento. Sabemos que isso é para quem tem coragem.

– Sou humana, pedir ajuda não é um problema.

Apesar dessas pequenas conquistas, ainda sei que tenho muito a aprender para que você não me faça sofrer com tanta propriedade. É tanto like, tanto filtro, tanto imediatismo, tanta visualização sem realmente ver. Estou sempre conectada, mas me conecto com poucos e, conviver com alguém que tem você como sombra não é fácil. Sei que, de vez em quando, ainda:

– Vou evitar conhecer pessoas com medo de que elas me magoem.

– Vou cancelar, na última hora, aquele compromisso que confirmei.

– Vou continuar com meus cronogramas (menos perfeitos, é claro).

– Vou me culpar por aquilo que não tenho controle.

– Vou imaginar o pior cenário, com fatos que moram somente dentro da minha cabeça.

– Vou sentir meu coração acelerar ao imaginar o futuro.

– Vou me isolar, não por querer, mas por necessidade.

– Vou continuar pedindo ajuda.

Sei que estamos todos tentando acertar nesse mundão louco e eu tenho sua companhia. Ela traz insegurança. Mas também traz força, já não me assusta. Qualquer hora tiro você para uma dança.


Michele Rocha é amante das filosofias de bar e das boas histórias. Publicitária de segunda a sexta, curiosa e confusa todos os dias do ano. Sigam ela no Insta: @mirock01





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