
Comecei a quarentena cedo. No dia 11 de março, acordei com sintomas de gripe e tinha ido a um evento no qual podia ter tido contato com o vírus. Cheguei a me questionar se não estava exagerando, mas preferi errar pelo excesso, decisão que foi ratificada pela minha médica.
Foto: Fernando Frazão / ABr
Dias depois, acordei de madrugada com falta de ar. Fiquei completamente parada. Ainda meio dormindo, queria ter certeza de que não era um desses sonhos lúcidos que tenho de vez em quando. Mas era verdade. Que fazer?
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O Estadão da última sexta-feira, 17, publicou uma matéria muito interessante. Uma pesquisa do Instituto Travessia mostrou que os mais pobres, no estado de São Paulo, defendem o isolamento total. O principal motivo: medo de não receber atendimento pelo SUS e de que familiares adoeçam. Isso se choca com o argumento do presidente Jair Bolsonaro para afrouxar o isolamento, de que os mais pobres precisam e querem voltar ao trabalho.
Embora a pesquisa tenha sido realizada em São Paulo, é importante dizer que que ela é significativa por se tratar do estado com o maior número de casos disparado. Até a publicação deste texto, o estado contabilizava 1.037 mortes, cerca de 40% dos óbitos registrados em todo o país. A taxa de letalidade em São Paulo é de 7,1%, enquanto a do país é de 6,4%. Os dados são do Ministério da Saúde. A taxa mundial ainda não é precisa, mas oscila entre 3% e 5%.
Ainda segundo a pesquisa, nas camadas mais altas, os impactos econômicos são a principal preocupação.
O que podemos deduzir?

O presidente Bolsonaro manda os trabalhadores para a morte. Já é fato que tirá-lo do poder se tornou questão de vida ou morte literalmente. E não nos iludamos: mesmo as medidas que estão sendo tomadas são insuficientes. Falamos sobre isso em outro artigo, “O Brasil tem que parar agora”.
No entanto, neste texto, é sobre saúde mental que quero falar.
Eu entendo o resultado dessa pesquisa, porque sinto a mesma coisa todos os dias. É uma espécie de terror psicológico. Quando percebi que estava com falta de ar naquela madrugada, fiquei desesperada. Passei os dias seguintes sem conseguir me concentrar em nada, mentindo às pessoas próximas para eliminar qualquer possibilidade de contato. Eu não tinha medo de morrer, mas de morrer sufocando, sem ar, porque tenho certeza de que não seria atendida, mesmo sendo do grupo de risco. E o medo maior: contaminar outras pessoas.
Ao contrário da maioria das pessoas que foram o alvo da pesquisa, não vou ser obrigada a sair do isolamento, não vou perder o emprego por isso. Então soma-se a isso o medo do desemprego e outros decorrentes desse.
Essa é uma comorbidade da pandemia. Nossa saúde mental está sendo destroçada quando mais precisamos que esteja bem. Falamos muito (corretamente) nos efeitos do isolamento em si, mas não olhamos para os efeitos do não isolamento forçado, que acontece nas camadas mais empobrecidas da sociedade.
A doença mental não atinge só as classes média e alta, embora esse preconceito absurdo ainda exista quando convém. Ele interessa aos patrões, que mantém os trabalhadores sob jornadas extenuantes, condições de trabalho precárias, assédio e cada vez menos direitos, com base no medo do desemprego, um dos maiores medos dos brasileiros.
O medo é uma emoção básica do ser humano, uma percepção de perigo importante para a sobrevivência. Porém quando elevado ao nível da repressão e da insegurança, vira patologia. Nesse caso, é estimulado de forma consciente com algo que sequer está expresso, mas pode ser ainda maior e pior que o imaginado. Isso é muito perverso.
Isso já acontece com ou sem pandemia. A pandemia agrava demais essa situação. Medo da morte, medo de perder familiares, medo de perder o emprego. Estamos todos doentes. Se não com a COVID-19, com a saúde mental abalada.
Quem vai cuidar da saúde mental das pessoas? Tratamento vai ser só para quem tem dinheiro e convênio caro? Nesse cenário de ataques do governo e da burguesia contra a classe trabalhadora, assistência médica vai ser privilégio.
Não temos mais nada a perder, a não ser a nossa vida se não entendermos que o capitalismo é um sistema que não serve mais e está levando a humanidade à barbárie.
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Quanto à minha falta de ar? Nunca vou saber. O medo foi maior, e decidi que só procuraria ajuda médica se tivesse febre. Seja lá o que tenha sido, estou fisicamente bem agora. Contudo, se os sintomas passaram, o medo não. E não sinto medo só por mim.
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