POR LU CANDIDO ::
As notas acima foram escritas por mim, separadas vinte anos no tempo.
Não vou contar sobre minhas tentativas de suicídio. Já fiz isso em um vídeo que está aqui no blog, em destaque, e no canal do QSPMSP no YouTube. Vale a pena assistir. É um vídeo bem legal, no qual falo sobre várias coisas relacionadas à prevenção do suicídio.
Para contextualizar, encontrei essas notas em diários diferentes, cada um de seu tempo, e as reuni no meu diário atual.
Escrevi a primeira em julho de 1998. Era a minha primeira crise grave de depressão. Eu ainda não tinha o diagnóstico de transtorno bipolar, então nada que eu fizesse para tratar a depressão resolvia. Pelo contrário, piorava. A dor era insuportável. Não conseguia respirar, a tal bola na garganta me sufocava. Passava a maior parte do tempo deitada em posição fetal chorando e tensionando cada músculo do corpo. Dois meses depois, logo após a morte da minha avó, tentei suicídio. Fracassei, óbvia e felizmente.
Escrevi a segunda em setembro de 2018. Já fazia muitos anos que havia sido diagnosticada. Estava com o tratamento certo, remédios apropriados e terapia. Como estamos falando de uma doença crônica, mesmo com o tratamento é possível que crises venham. Naquele momento, eu sentia que uma estava se aproximando, porque aprendi a me observar. Já não tinha mais dezenove anos, me conhecia bem. Seis anos antes havia tentado suicídio pela quarta e última vez – até agora. A crise veio e foi embora. E um mês depois lancei o QSPMSP.
De fato, não tenho grande apego à vida. Não é incomum eu sentir vontade de morrer eventualmente, quando uma crise se aproxima. Hoje, mais do que não tentar tirar minha vida, tento cortar a crise antes que ela se instale. Tratamento e experiência.
No entanto, olhando para estes textos, tudo que consigo pensar é que sobrevivi, que aqueles dias de tempestade passaram e outros cinzentos vieram – e ainda vêm. E também passam.
Quando estou mal, penso que em algum momento dessa minha vida conturbada já estive bem. Às vezes até consegui me sentir normal. Conheci pessoas incríveis, amei, me diverti. Eventualmente até fiz alguma diferença no mundo. Lutei contra a sociedade podre em que vivemos. Viajei, conheci menos lugares do que queria, mas lugares maravilhosos. E sempre tive o mar…
E lembro que não é a primeira vez que sinto essa dor. E toda vez passou. E toda vez continuei fazendo essas coisas.
Então resisto pacientemente, rasgando a pele, gritando por dentro, sufocando, lutando contra mim mesma.
Quando a dor passa, penso que agora estou bem. Talvez possa até me sentir normal. Tenho pessoas incríveis na minha vida e posso conhecer outras. Não sei se vou amar de novo, mas não importa. Me divirto. Continuo tentando fazer alguma diferença no mundo, lutando contra a sociedade podre em que vivemos. Posso viajar, conhecer mais lugares do que já conheci. E sempre terei o mar…
A distância entre uma dor e outra tem aumentado. Será que um dia acaba? Acho improvável, mas é o que tenho.
Por que estou compartilhando tudo isso? Porque sei que essa é uma dor compartilhada.
Este texto não tem a menor intenção de ser motivacional. É só um relato com o qual alguém pode se identificar. Cada um é único e lida com suas dores com as ferramentas que tem, que melhor funcionam para si. Mas pode acrescentar outras sempre que quiser.
Muitas vezes quis saber como outras pessoas fizeram para suportar. Mais de noventa por cento das pessoas que tentam suicídio não querem morrer. Querem matar uma dor que parece insuportável, dilacerante.
Então estou retribuindo, devolvendo um pouco do que recebi ao ouvir outras histórias, tão particulares e ainda assim tão similares à minha.
Quanto a mim, nunca esqueço quem sou, e a doença que tenho é crônica, inerente a mim, parte inseparável. Não estou imune e posso tentar de novo. Por ora, vou resistindo com minhas contradições.
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Fotos da matéria: Lu Candido
Foto da capa: Pixabay
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