sexta-feira, 15 de novembro de 2024

POR CAROL CANDIDO ::
Com toda discussão dos últimos dias sobre a vida do trabalhador brasileiro, é importante para nós do QSPMP fortalecer nosso posicionamento. Somos a favor da vida, da saúde mental, do respeito ao desejo de cada indivíduo e, nessa discussão, em especial, do indivíduo que precisa submeter-se a jornadas exaustivas de trabalho, aniquilando sua existência.

Foto: Manifestação pelo fim da escala 6x1 na Avenida Paulista, em São Paulo (Opinião Socialista)

A escala 6x1, tão comum no mercado de trabalho brasileiro, representa um atentado contra a saúde mental, a qualidade de vida e a um olhar sobre a individualidade para milhões de pessoas. Esse regime, que exige seis dias de trabalho consecutivos com apenas um dia de descanso, não é apenas desumano – é uma máquina de moer vidas, ceifando nosso tempo, energia e, de forma mais grave, nossa identidade.

O trabalho, que deveria ser uma parte da vida, torna-se sua totalidade ou, no mínimo, ocupa um lugar central. A lógica por trás da escala 6x1 transforma seres humanos em engrenagens descartáveis, onde a produtividade é idolatrada e o descanso visto como um luxo. Esse único dia de folga, longe de ser uma pausa para recuperar forças, muitas vezes se transforma em uma maratona de tarefas domésticas, compromissos familiares e obrigações adiadas. O resultado? Uma perpetuação do cansaço e a sensação de nunca sair do piloto automático.

Podemos pensar este formato cruel imposto a nossas vidas sob a luz de alguns recortes sociais. A escala 6x1, além de desumanizadora, perpetua uma dinâmica profundamente machista. Enquanto homens e mulheres enfrentam a mesma exaustão no emprego, o peso do único dia de folga recai de forma desigual. Para muitas mulheres, esse dia não significa descanso, mas a transferência do trabalho para o ambiente doméstico, onde ainda são vistas como as principais responsáveis pelas tarefas da casa e pelos cuidados com a família. O sistema não apenas ignora essa sobrecarga, como reforça um ciclo de exploração que deixa as mulheres sem tempo, energia ou espaço para si mesmas. A escala 6x1 não é neutra: ela amplifica desigualdades de gênero e silencia qualquer possibilidade de emancipação feminina, anulando ainda mais as vidas já comprimidas.

A escala 6x1 também escancara o racismo que molda as relações de trabalho no Brasil e é herança do regime escravocrata. Majoritariamente ocupando cargos precarizados e de baixa remuneração, a população negra é a mais atingida por esse regime exaustivo, herança direta de um sistema que sempre priorizou a exploração racial. Para trabalhadores negros, o único dia de folga muitas vezes não é usado para descanso, mas para complementar a renda com bicos ou enfrentar longos deslocamentos para zonas periféricas, onde vivem devido à exclusão histórica. Essa dinâmica reforça estigmas, perpetua ciclos de pobreza e impede qualquer possibilidade de mobilidade social. A escala 6x1, ao tratar todos como iguais em uma sociedade desigual, é mais uma engrenagem de um sistema que insiste em condenar corpos negros ao cansaço eterno, negando a eles o direito básico de existir de forma plena.

E para onde vai a saúde mental e o psiquismo dos trabalhadores sobrecarregados?

Os impactos são devastadores. O estresse crônico se torna uma companhia constante, seguido de perto pelo esgotamento físico e emocional. O tempo limitado para o lazer, o autocuidado e os relacionamentos sociais mina qualquer tentativa de equilíbrio. O trabalhador da escala 6x1 não vive; sobrevive. E sobrevive mal, com a mente fragmentada, os sonhos sufocados e a vida social reduzida a um breve lampejo no meio de uma rotina interminável.

Por trás dessa dinâmica, está o cinismo estrutural do mercado: o lucro sempre pesa mais que a vida humana. Empresas, em nome de metas agressivas e produtividade máxima, negligenciam os custos humanos desse modelo. Para elas, a escala 6x1 é apenas um número no cronograma, ignorando que por trás de cada turno há alguém que sente, sofre e luta para manter um mínimo de dignidade.

O que essa escala faz é aniquilar nossa existência em sua essência mais profunda. Ela rouba o tempo que deveríamos dedicar ao que nos torna humanos: afeto, desejo, criatividade, aprendizado e descanso. É a negação do direito à vida plena, ao sonho e ao simples ato de existir além da função de trabalhador.

Romper com essa lógica não é apenas uma questão de sobrevivência, mas de resistência. Precisamos questionar e combater modelos que colocam o trabalho acima da vida. Porque, no final, a escala 6x1 não é apenas uma forma de organizar jornadas; é um símbolo do quanto o sistema consome a nossa humanidade.

Enquanto aceitarmos essas condições, estaremos colaborando com a própria destruição do que nos torna seres humanos, do que nos torna vivos.

Nós do QSPMSP somos a favor da vida, por isso, somos a favor da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) de autoria da deputada Érika Hilton, que prevê a redução da jornada máxima de trabalho de 44 para 36 horas semanais e o fim da escala de seis dias de trabalho por um de descanso.


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Foto da capa: Operários, quadro de Tarsila do Amaral de 1933


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